sexta-feira, 12 de novembro de 2010

LEÔNCIO CORREIA

Registrou-se no Rio de Janeiro, no dia 19 de Junho de 1950, a desencarnação do venerando confrade Dr. Leôncio Correia, que fora presidente da Liga Espírita do Brasil, posteriormente Liga Espírita do Estado da Guanabara.
A imprensa diária tratou largamente da vida pública e literária do eminente brasileiro e primoroso poeta, cuja existência tanto engrandeceu as letras nacionais. Republicano histórico, tendo tomado parte na campanha abolicionista, começou a sua vida pública muito moço, no Paraná, seu Estado natal, onde se bateu pela implantação da República. Leôncio Correia era um dos poucos republicanos de 1889, por ocasião de sua morte. Foi deputado estadual no Paraná, de 1892 a 1897, deputado federal, diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro, diretor do Colégio Pedro II (Internato) e diretor da Imprensa Nacional. Durante muito tempo lecionou História Universal na Escola Normal (hoje Instituto de Educação) do Rio de Janeiro, da qual foi, mais tarde, Diretor. Na política, na imprensa e na tribuna, foi sempre um defensor das liberdades públicas. Era formado em Direito, mas não abraçou a advocacia nem a magistratura. Ao lado de Machado de Assis, Olavo Bilac, Paula Ney e outras brilhantes figuras das letras, desenvolveu grande atividade literária.
Inegavelmente sua carreira literária é uma das mais fulgurantes e fecundas do Brasil. Era membro da Academia Paranaense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, da Academia Carioca de Letras, da Federação das Academias de Letras, do Instituto Brasileiro de Cultura, e outras instituições literárias. Deixou diversos livros publicados, dentre os quais estes: "Barão do Serro Azul", "A Boêmia do Meu Tempo" (crônica), "Brasilíada" (poema), "Evocações" (crônica), "Flauta de Outono" (poesia), "Panóplias" (crônicas), "Perfis" (soneto), "A Verdade Histórica sobre o 15 de Novembro", "Meu Paraná" (crônicas e versos), "Vultos e Fatos do Império e da República" (ensaio), "Parlendas e Palestras" (discursos), etc
Foi pioneiro do Dia da Bandeira, pois em 1907, quando diretor da Instrução Pública, tornou obrigatório, nas escolas primárias, a Festa da Bandeira.
Como parte das comemorações do 1o. Centenário do Estado do Paraná, o Governador Bento Munhoz da Rocha mandou editar as Obras Completas de Leôncio Correia, prefaciadas por nomes ilustres da nossa Literatura, como Rodrigo Otávio Filho, Andrade Muricy, Othon Costa, etc., todos a enalteceram, sob vários aspectos, a fecunda existência daquele paranaense inesquecível.
Tendo nascido em Paranaguá, Estado do Paraná, em 1o. de Setembro de 1865, desencarnou pouco antes de completar 85 anos de idade.
Em sua homenagem, fundou-se na rua Jardim Botânico (Gb) o Instituto Leôncio Correia, conceituado estabelecimento de ensino primário e admissão.
Cabe-nos, agora, tratar de Leôncio Correia como espírita. Em 1922 tomou parte no Congresso Espírita realizado no Rio de Janeiro. Pertenceu ao Conselho da Associação Espírita Obreiros do Bem, foi presidente da Liga Espírita do Brasil no triênio 1939-1942. No dia 15 de Novembro de 1939, na Associação Brasileira de Imprensa, quando se comemorou o cinqüentenário da República Brasileira, Leôncio Correio ocupou a presidência de honra do 1o. Congresso Brasileiro de Jornalistas Espíritas. Com as luzes de sua cultura e a grandeza de seu coração, prestigiou diversos movimentos espíritas no Rio de Janeiro. Na mencionada Liga Espírita, cujos destinos dirigiu com bondade e elevação espiritual, Leôncio Correia foi o amigo, o conselheiro abalizado, o companheiro dedicado de sempre. Viveu como cidadão impoluto e encerrou o ciclo de sua existência terrena com o espírito tranqüilo e convicto da existência de Deus e da imortalidade da alma.
Por ocasião do sepultamento do Dr. Leôncio Correia, no dia 20 de Junho de 1950, no Cemitério de São João Batista, foram pronunciados diversos discursos, ouvindo-se os representantes da Academia Carioca de Letras, do Pen Club do Brasil, do Governo do Paraná, etc., tendo-se feito representar o próprio Congresso Nacional. Em nome da Liga espírita do Estado da Guanabara, falou seu presidente, Sr. Aurino Barbosa Souto. Um dos sonetos abaixo ("Canto de Cisne") foi recitado pelo Dr. J. Augusto de Miranda Ludolf, que discursou, à beira do túmulo, em nome da Federação Espírita Brasileira e do Conselho Federativo Nacional.
A Federação Espírita do Paraná esteve representada na pessoa do Dr. Lins de Vasconcellos, outro companheiro de saudosa memória.

Canto do Cisne
Cego - completa escuridão... Tateio
Sem um velho cajado a que me arrime.
Expiação, talvez, de um grande crime,
Mas onde, quando e como pratiquei-o?
Das aves ouço o matinal gorjeio...
Invejo-as, e essa nobre inveja exprime
Uma resolução firme e sublime
De encarar a hora extrema sem receio.
Ao Pai celestial minhalma entrego,
Às margens quase da outra vida, cego,
Mas abrasado de infinito amor.
Pelo bom Deus, que me concede ainda,
Quando minha missão na Terra finda,
Esta bendita luz interior.
Leôncio Correia.

As declarações a seguir foram escritas pelo Dr. Leôncio Correia em 25 de Fevereiro de 1948, tendo sido conservadas em envelope fechado até o dia em que aquele nosso irmão entrou na fase da agonia para a desencarnação. O Sr. Aurino Souto recebeu-as das mãos da exma. esposa, na residência desta, à rua Estácio Coimbra, 40, em São Clemente, Rio de Janeiro, na tarde de 19 de Junho de 195O, quando ele o encontrou já inconsciente, cercado da família e de amigos. Eis aí um testemunho edificante, uma página doutrinária de alto valor moral e filosófico.
Minhas últimas vontades
Desejo que o meu enterro seja o mais simples, o mais modesto possível. Aos parentes e pessoas amigas que tencionem enviar coroas para cobrir o meu féretro, peço desistirem desse piedoso intento, fazendo distribuir entre a pobreza as importâncias a tal fim destinadas.
Sobre o pedaço de terra em que tenho de ser enterrado, desejo apenas uma pedra tosca, com os seguintes dizeres: "Aqui jaz quem foi Leôncio Correia". A data de meu nascimento, 1-9-1865, e a data de minha morte.
Aos irmãos rogo dirijam preces ao Pai, em intenção do meu espírito.
Não quero que ponham luto por motivo da minha morte. A morte não é o fim, é um princípio, princípio esclarecedor, que explica o porquê da vida. A mesquinha e pretensiosa inteligência materialista, na impossibilidade de apreender esta verdade, dá de ombros com fingida indiferença, sempre que é posto em equação esse transcendente problema.
Desejo que meu enterro saia da capela do cemitério de São João Batista, possibilitando assim aos meus amigos pobres ( se é que os tenho ) poderem dizer-me o derradeiro adeus sem o sacrifício com despesas de automóvel. Leôncio Correia. - Rio, 25-12-1948.
Poeta, jornalista, educador, teatrólogo, conferencista, alma de verdadeiro patriota, Leôncio Correia pôs sempre seu coração ao serviço das nobres causas, como afirma o acadêmico Francisco Leite, e, "a semelhança dos majestosos pinheiros de sua terra natal, floriu e frutificou em poemas, em benemerência, em doçura e piedade".
Em conferência pronunciada no Centro Paranaense do Rio de Janeiro, em 1955, Deolindo Amorim disse ser a preocupação imortalista um dos motivos essenciais da obra poética de Leôncio Correia, transparecendo em todas as suas expansões, clara ou veladamente, uma concepção de vida muito acima das limitações terrenas.
Prova-o exuberantemente, um de seus últimos sonetos, que fala da
Vida Eterna
Jamais se apaga a luz... Se, acaso, voa
A nuvem, e de um astro o brilho empana,
Extingue-o? A nuvem vai; passa; e se irmana
De novo ao astro a claridade boa.
Se sofre - o crente as dores abençoa
Como uma esmola, que do céu promana;
É benéfica a dor, pois a alma humana
No sofrimento é que se aperfeiçoa.
A morte é uma ilusão; é eterna a vida,
Por isso, antes me alegro, que me assusto,
Quando a morte, a cismar nela, convida;
Porque sei que ao baixar meu corpo ao seio
Da terra, livre o espírito, sem custo,
Já de outros mundos se achará no meio.
Leôncio Correia.

Por ocasião do 90.º aniversário do Poeta, Deolindo Amorim revelou, do homem espírita, esta página do passado:
"Estávamos no período crepuscular da ditadura. Não havia liberdade de imprensa, liberdade de crítica, nem mesmo liberdade religiosa, porque as sociedades espíritas estavam sob fiscalização policial. Leôncio Correia era o presidente da então Liga Espírita do Brasil, enquanto éramos, como ainda hoje, o secretário-geral. Os diretores das sociedades espíritas eram obrigados a comparecer à Policia Central para serem fichados, porque o regime era de arrocho, todas as formas de liberdade do pensamento estavam abafadas pela censura. Pois bem, Leôncio Correia, já velho, com sua expressão respeitável, não faltou ao cumprimento do dever, foi à repartição policial, e lá deixou as suas impressões digitais, na qualidade de presidente da Liga Espírita. O funcionário da Polícia, um tanto espantado, exclamou, com certo ar de estranheza: "Dr.Leôncio, por aqui?.." e Leôncio Correia, sem perder a sua serenidade imperturbável, respondeu humildemente: "Que vou fazer, meu amigo? São ordens..."
Além das fronteiras da Morte, o poeta continua, vez por outra, a nos deleitar com suas magníficas produções. Uma delas está publicada no "Parnaso de Além-Túmulo", obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier. Não vamos transcrevê-las todas. Para encerrarmos esta singela biografia do saudoso companheiro, cujo centenário de nascimento foi festivamente lembrado, inclusive com a emissão pelo D.C.T., de um selo comemorativo, - permita-nos o leitor reproduzir apenas um soneto do Espírito de Leôncio Correia, psicografado pelo referido médium e que foi estampado, em 1955, nas páginas do "Reformador":

Ressurreição
Triste viajante na floresta escura,
Tateando na estrada erma e sombria,
Alcancei a aflição do último dia,
Esmagado na sombra da amargura.

Mas, além do pavor da sepultura,
Eis que a paz novamente me sorria...
E, ave exaltando a graça da alegria,
Embriaga-me a luz vibrante e pura!

Glória às dores da vida transitória!...
Não traduzo o meu grito de vitória,
Por mais que a minha fé se estenda e brade;
Cego que torna a ver, além do mundo,
Canto somente a luz de que me inundo,
Nos caminhos de sol da eternidade.

Leôncio Correia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário