terça-feira, 19 de julho de 2011

“Cuidado que não Pratiqueis as Vossas Boas Obras Para Serdes Vistos Pelas Gentes

Repetidas vezes, e de modos vários, insiste Jesus neste preceito ou proibição, que,
à primeira vista, parece ser de caráter simplesmente ético. Entretanto, esse inextirpável
desejo de publicidade, embora ético em suas ramificações, tem as suas raízes embebidas
no abismo da metafísica.
Há em toda tendência publicitária algo de profano e prosaico — como existe em
toda atitude silenciosa algo de sagrado e poético. Todas as coisas grandes estão envoltas
em silêncio e mistério. Parece que o silêncio engrandece e o ruído amesquinha todas as
coisas.
Quando o homem recebe alguma grande inspiração e a assoalha aos quatro
ventos, ela enfraquece e se esteriliza — mas quando ele a guarda na solidão de um
grande silêncio, ela se robustece e fertiliza. Vigora secreta afinidade entre solidão e
sacralidade — e há semelhança entre publicidade e profanidade.

Na origem da vida física colocou a natureza humana o sentimento do recato e
pudor — e o início da vida espiritual também está envolto na misteriosa castidade de
uma profunda reverência. Toda a decadência do indivíduo ou de um povo começa,
invariavelmente, com a perda do pudor e da reverência pela vida, quer material, quer
espiritual.
“Não pratiqueis as vossas boas obras para serdes vistos pelos homens!”
Qual a razão última por que todo homem profano — isto é, de consciência
apenas físico-mental — sente a imperiosa necessidade de fazer alarde das suas boas
obras? Por que quer ver-se admirado, louvado ou de outro modo qualquer, ser
recompensado pelo bem que pratica?
É porque todo homem profano é essencialmente mercenário — e esse espírito
mercenário é indício da sua fraqueza. O homem interiormente rico, completo, sadio, não
tem necessidade de ser recompensado, nem compensado, nem pensado; só o pobre e
indigente é que deseja ser recompensado, porque fazer o bem é para ele um sacrifício,
uma perda; quer ser compensado, porque se sente incompleto; deve ser pensado porque
está doente e chagado.
O homem de sentimentos mais nobres, é claro, não espera receber dinheiro nem
outro equivalente material por seus atos bons — mas todo homem que ainda se move no
plano da consciência horizontal julga-se com o direito de receber por suas boas obras
pelo menos uma palavrinha de reconhecimento, de gratidão, de apreciação, e aguarda
sobretudo algum resultado visível por seus trabalhos e esforços — e esse desejo dos
resultados palpáveis também é, em última análise, espírito de espírito mercenário. A
própria esperança de receber, em troca de suas boas obras, o céu — isto é, uma
recompensa externa e adicional ao fato de ser bom — é desejo impuro e mercenário.
Dificilmente encontraríamos entre milhares de homens um só que fosse capaz de
prosseguir, corajosa e serenamente, uma árdua empresa espiritual ou beneficente,
através de anos e decênios, sem jamais receber uma palavra de estímulo externo em
forma de louvor ou aplauso.
Por que é que só nos sentimos seguros e corajosos quando, pelo menos de vez em
quando, alguém nos louva ou quando aparecem resultados visíveis do nosso trabalho?
É porque todo homem profano, como já foi dito alhures, é essencialmente
extroverso, objetivado; não tem noção clara de si mesmo a não ser quando o seu ego é,
por assim dizer, refletido no espelho de algum objeto. Assim como ninguém pode ver o
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seu próprio rosto, ou a cor dos seus olhos senão quando refletidos em um espelho,
semelhantemente, também, o homem profano só conhece o seu sujeito interno quando
refletido por um objeto externo —como uma onda de radar, que só dá sinal de si
quando, depois de emitida, encontra no seu caminho um objeto donde possa ricochetear
e ecoar rumo ao aparelho emissor.
A consciência físico-mental, relacionada com os objetos, é sempre indireta.
Quando ninguém reflete o meu ato, nada sei da natureza do meu ato. Mais ainda,
quando pratico um ato bom e ninguém me louva nem reconhece essa bondade, pouco a
pouco começo a duvidar da natureza positiva desse ato; e se alguns vão ao extremo de
tachar de mau o meu ato bom — por quanto tempo serei capaz de crer na bondade do
meu ato?
Meu Deus! Como o homem profano depende do mundo externo! Como ele é
escravizado pelo reflexo da opinião pública! Não possui nenhuma autonomia e
segurança intrínseca e por isto necessita dessas escoras e muletas extrínsecas.
Quando, então, o homem profano consegue ultrapassar a invisível fronteira que
medeia entre o seu pseudo-eu, ou ego personal, e o seu verdadeiro Eu crístico, o seu
divino EU SOU — então caem por terra todas as escoras e muletas; então proclama ele
a sua verdadeira independência, a “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”.
Daí por diante, não mais pratica ele boas obras para ser visto e louvado pelos
homens; essa atitude lhe pareceria tão absurda e ridícula como arrastar-se arrimado a
muletas em plena saúde.
A partir daí, toda a firmeza e segurança lhe vêm de dentro, das profundezas da
sua consciência espiritual. Esse homem conhece-se a si mesmo por intuição íntima, e
não necessita de derivar esse conhecimento das palavras dos que não o conhecem. Ele
sabe que os seus atos e sua atitude estão sintonizados com a Lei Eterna e a consciência
nítida dessa harmonia lhe dá tão grande firmeza e serenidade que, ainda que todo o
mundo o louvasse, nem por isso se sentiria mais seguro; e embora o mundo inteiro o
censurasse e condenasse, nem por isso perderia esse homem um só grau da sua
segurança e tranqüilidade interna; e ainda que os seus trabalhos não surtissem nenhum
efeito palpável, ele prosseguiria a trabalhar com o mesmo afinco e otimismo de sempre.
“Trabalha intensamente — diz a sabedoria oriental — e renuncia a cada
momento aos frutos do teu trabalho!”
O homem que conquistou essas alturas é supremo árbitro da sua vida e não
necessita de olhar para a direita, para a esquerda, para trás, a ver se os homens louvam
ou vituperam os seus atos. Nem há motivo para fazer publicidade das suas boas obras,
porque elas são boas em si mesmas, independentemente da aprovação ou reprovação de
terceiros.
“Não pratiqueis as vossas boas obras para serdes vistos pela gente!” — isto é um
ultimatum para a consciência físico-mental e um veemente chamariz para a
consciência espiritual.

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