sábado, 6 de agosto de 2011

A serva escandalizada

Ante as exclamações de Dalila, a esposa de Azor, o tecelão, quanto às maldades de alguns
publicanos de mau nome que a haviam desrespeitado, em praça pública, justamente quando
procurava praticar o bem, relatou Jesus, com simplicidade:
— Piedosa mulher, desejando ser mensageira do Reino Divino na Terra, bateu às portas
do Paraíso, rogando trabalho.
Foi atendida, cuidadosamente, por um anjo que lhe recomendou visitasse uma taberna
para salvar dois homens bons, desprevenidos, que se haviam deixado embriagar, dominados
por insinuações insufladas por Espíritos das trevas.
No dia seguinte, porém, a enviada reapareceu, chorosa, explicando ao Ministro do Eterno
que lhe não fora possível satisfazer-lhe à determinação, porque o recanto indicado jazia
repleto de jogadores a trocarem palavras obscenas e cruéis.
O anjo, então, mandou-a a um esconderijo em floresta próxima, a fim de socorrer uma
criança desamparada.
No outro dia, porém, a emissária regressou, alegando que não lhe fora exeqüível o trabalho
porque a furna ocultava vários homens e mulheres seminus a lhe ferirem o pudor feminino.
O Administrador Celeste, sem desanimar, designou-a para auxiliar uma senhora agonizante,
mas, decorridas poucas horas, a colaboradora voltou, ruborizada, ao ponto de origem,
informando de que não pudera nem mesmo penetrar o quarto da enferma, porque na antecâmara
o esposo da doente, palestrando com certa mulher de baixa procedência, projetava um assassínio
para a noite próxima.
O prestimoso Ministro do Alto, embora com algum desapontamento, determinou-lhe o
auxílio a dois homens dementes situados em extenso vale de imundos.
No dia imediato, a serva escandalizada retornava, célere, esclarecendo que não conseguira
alcançar o objetivo, porquanto os loucos viviam impressionados com cenas de vida impura,
a lhe causarem extrema repugnância.
O Preposto do Altíssimo, depois de ouvi-la com manifesta estranheza, pediu-lhe amparar
uma jovem que se achava em perigo, mas, em breve, regressava a cooperadora sensitiva, exclamando
que a criatura mencionada podia ser vista numa festa desregrada, em repulsiva condição
moral.
E assim a candidata ao trabalho celeste atravessou a semana, inutilmente, cultivando a
ineficiência, sob variados pretextos.
Todavia, procurando de novo o anjo para solicitar-lhe serviço, dele ouviu a exortação de
que se fizera merecedora:
— Minha irmã, continue, por enquanto, desenvolvendo o seu esforço nas vulgaridades
da Terra.
— Oh! e por quê? — indagou, perplexa. — Não mereço abeirar-me da vida mais alta?
— Seus olhos estão cheios de malícia — elucidou o Ministro, tolerante —, e, para servir
ao Senhor, o servo do bem retifica o escândalo, com amor e silêncio, sem se escandalizar.
Calou-se o Mestre por minutos longos; depois, concluiu sem afetação:
— Quem se demora na contemplação do mal, não está em condições de fazer o bem.
Os circunstantes entreolharam-se, espantadiços, e a oração final do culto doméstico foi
pronunciada, enquanto, lá fora, a Lua muito alva, desfazendo a treva noturna, simbolizava radioso
convite do Céu ao sublime combate pela vitória da luz.

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