domingo, 18 de dezembro de 2011

ELES VIVERÃO

Onze anos após a crucificação do Mestre, Tiago, o pregador, filho de Zebedeu, foi
violentamente arrebatado por esbirros do Sinédrio, em Jerusalém, a fim de responder a
processo infamante.
Arrancado ao pouso simples, depois de ordem sumária, ei-lo posto em algemas, sob o sol
causticante.
Avançando ao pé do grande templo, na mesma praga enorme em que Estevão achara o
extremo sacrifício, imensa multidão entrava-lhe a jornada.
Tiago, brando e mudo, padece, escarnecido.
Declaram-no embusteiro, malfeitor e ladrão.
Há quem lhe cuspa no rosto e lhe estraçalhe a veste.
– “A morte! à morte!...”
Centenas de vazes gritam inesperada condenação, e Pedro, que de longe o segue,
estarrecido, fita o irmão desditoso, a entregar-se humilhado.
O antigo pescador e aprendiz de Jesus é atado a grande poste e, ali mesmo, sob a alegação
de que Herodes lhe decretara a pena, legionários do povo passam-no pela espada, enquanto
a turba estranha lhe apedreja os despojos.
Simão chora, sozinho, ao contemplar-lhe os restos, voltando, logo após, para o seu humilde
refúgio.
Depois de algumas horas, veio a noite envolvente acalentar-lhe o pranto.
De rústica janela, o condutor da casa inquire o céu imenso, orando com fervor.
Porque a tempestade? porque a infâmia soez?
O pobre amigo morto era justo e leal...
Incapaz de banir a idéia de vingança, Pedro lembra os algozes em revolta suprema.
Como desejaria ouvir o Mestre agora!... que diria Jesus do terrível sucesso?!...
Neste instante, levanta os olhos lacrimosos, e observa que o Cristo lhe surge, doce, à frente.
É o mesmo companheiro de semblante divino.
Ajoelha-se Pedro e grita-lhe:
– Senhor! somos todos contados entre os vermes do mundo!... porque tanta miséria a
desfazer-se em lama? Nosso nome é pisado e o nosso sangue verte em homicídio impune...
A calúnia feroz espia-nos o passo...
E talvez porque o mísero soluçasse de angústia, o Mestre aproximou-se e disse com carinho,
a afagar-lhe os cabelos :
– Esqueceste, Simão? Quem quiser vir a mim carregue a própria cruz...
– Senhor! – retrucou, em lágrimas, o apóstolo abatido – não renego o madeiro, mas clamo
contra os maus... Que fazer de Joreb, o falsário infeliz, que mentiu sobre nós, de modo a
enriquecer-se? que castigo terá esse inimigo atroz da verdade divina?
E Jesus respondeu, sereno, como outrora :
– Jamais amaldiçoes... Joreb vai viver...
– E Amenab, Senhor? que punição a dele, se armou escuro laço, tramando-nos a perda?
– Esqueçamo-la em prece, porque o pobre Amenab vai viver igualmente...
E Joachib Ben Mad? não foi ele, talvez, o inspirador do crime? o carrasco sem fé que a todos
atraiçoa? Com que horrenda aflição pagará seus delitos?
– Foge de condenar, Joachim vai viver...
– E Amós, o falso Amós, que ganhou por vender-nos?
– Olvidemos Amós, porque Amós vai viver...
– E Herodes, o rei vil, que nos condena a morte, fingindo ignorar que servimos a Deus?
Mas Jesus, sem turvar os olhos generosos, explicou simplesmente :
– Repito-te, outra vez, que quem fere, ante a lei será também ferido... A quem pratica o mal,
chega o horror do remorso... E o remorso voraz possui bastante fel para amargar a vida...
Nunca te vingues, Pedro, porque os maus viverão e basta-lhes viver para se alçarem à dor
da sentença cruel que lavram contra eles mesmos... Simão baixou a face banhada de pranto,
mas ergueu-a em seguida, para nova indagação...
O Senhor, entretanto, já não mais ali estava.
Na laje do chão só havia o silêncio que o luar renascente adornava de luz...

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