O ataúde parecia guardar impassível aquilo que era o significado de boa parte de sua vida.
Ao
mirar o corpo inerte, não conseguia conceber como poderia jazer ali a
razão de suas alegrias, a fonte de suas mais nobres inspirações, o
reduto dos seus sentimentos mais profundos.
A
morte roubara-lhe de maneira infame quem lhe fora tesouro dos mais
valiosos, ao longo de boa parte de sua vida. O amor de sua vida jazia
ali.
Percebendo-lhe
os tormentos que lhe vinham na alma, refletidos no olhar aprofundado
pela dor, velho amigo acercou-se-lhe, indagando:
Admirando a estupidez da morte, meu amigo? A pergunta foi de tal forma inesperada, inusitada mesmo, que ele teve que refletir um tanto.
De
fato, se fosse resumir seus sentimentos, era isso mesmo que ele
pensava... A morte não é nada mais do que o momento mais estúpido da
vida.
Mas, antes que pudesse concatenar algo para responder ao amigo, esse de imediato retomou a fala.
A morte pode nos parecer estúpida ou pode nos parecer lógica e racional, meu amigo. Depende de como você entende a vida.
Se
vendo esse corpo inerte à sua frente, você conclui que aqui também está
toda a fonte de seu afeto, o motivo de suas alegrias, a inteligência
que você admira, ou o coração afetuoso que você aprendeu a amar, a vida é
realmente uma tolice.
Se
pensar assim, pode concluir que na vida aprendeu a amar células, a
admirar secreções glandulares, a se apaixonar por sinapses cerebrais.
E como tudo que é feito de matéria, um dia perece e se transforma. É o que está acontecendo com o corpo que ora você enxerga.
Porém,
se você consegue ver além do que seus olhos podem, e conseguir chegar
onde sua razão melhor entende, verá que tudo aquilo que você aprendeu a
amar teve morada neste corpo, mas não lhe pertencia, nem era fruto de
suas atividades corporais.
Como
o verdadeiro amor não se atém na forma, mas mergulha além daquilo que
conseguimos ver, é essa a verdadeira fonte de nosso amor.
E
a fonte desse amor continua vivendo, somente que agora apartado de um
corpo que o acompanhou ao longo dessa existência. Chama-se Espírito
imortal.
Quer dizer que voltaremos a nos encontrar? Redarguiu titubeante, entre a esperança e a incerteza.
Mas é claro, respondeu o amigo. Afinal, o amor desconhece o tempo e a distância.
Se
alguns são chamados antes para o retorno ao lar, os que nos amam,
justamente por nos amarem, estarão a aguardar o dia do reencontro,
quando nós mesmos iremos aportar do lado de lá da vida.
E
as dificuldades, doenças ou limitações daqui, lá já não mais se farão
presentes, permitindo que as relações de afeto e carinho se façam mais
amplas e plenas.
Assim meu caro, concluiu o amigo solícito, derrame
suas lágrimas apenas pelas saudades naturais que irá sentir. Mas não dê
a elas o peso da revolta ou da incompreensão para com os desígnios da
vida, que são sempre sábios e acertados.
Aguarde,
na paciência do coração daqueles que verdadeiramente amam, o dia em que
novamente poderá estar estreitando o carinho e o amor com os que
compartilhou tais expressões, ao longo de toda esta existência.
Lembre que além do corpo está o Espírito imortal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário