segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O ANJO E O MALFEITOR

O mensageiro do Céu volveu do Alto a sombrio vale do mundo, em apoio de centenas de
criaturas mergulhadas na enfermidade e no crime, na miséria e na ignorância, e,
necessitando de concurso alheio para estender socorro urgente, começou por recorrer à
publicação de apelos do próprio Evangelho, induzindo corações, em nome do Cristo, à
compaixão e à caridade.
Entretanto, porque tardasse qualquer resultado concreto, de vez que todos os habitantes
do vale se comoviam com as legendas, mas não se encorajavam à menor manifestação
de amparo ao próximo, o Enviado Celestial, convicto de que fora recomendado pelo
Senhor a servir e não a questionar, julgou mais acertado assumir a forma de um homem e
solicitar sem delegar o apoio de alguém que lhe pudesse prestar auxílio.
Materializado a preceito, procurou pela colaboração dos homens considerados mais
responsáveis.
Humilde e resoluto, repetia sempre o mesmo convite à prática evangélica, registrando
respostas que o surpreendiam pela diferença.
O VIRTUOSO – Não posso manchar meu nome em contacto à prática evangélica,
registrando respostas que o surpreendiam pela diferença.
O SÁBIO – Cada qual está na colheita daquilo que semeou. Falta-me tempo para ajudar
vagabundos, voluntariamente distanciados da própria restauração.
O PRUDENTE – Não posso arriscar minha posição dificilmente conquistada, na
intimidade de pessoas que me prejudicariam a estima pública.
O FILANTROPO – Dou o dinheiro que seja necessário, mas de modo algum me animaria
a lavar feridas de quem quer que seja.
O PREGADOR – Que diriam de mim se me vissem na companhia de criminosos?
O FILÓSOFO – Nunca desceria a semelhante infantilidade... Aspiro a alcançar as mais
altas revelações do Universo. Devo estudar infinitamente... Além disso, estou cansado de
saber que, se não houvesse sofrimento, ninguém se livraria do mal...
O PESQUISADOR DA VERDADE – Não sou a pessoa indicada. Caridade é capa de
muitas dobras, que tanto acolhe o altruísmo quanto a fraude. Não me incomode... Procuro
tão-somente as realizações essenciais.
Desencanto, o Mensageiro bateu à porta de conhecido malfeitor, aliás, a pessoa menos
categorizada para a tarefa, e reformulou a solicitação.
O convidado, embora os desajustes íntimos, considerou, de imediato, a honra que o
Senhor lhe fazia, propiciando-lhe o ensejo de operar no levantamento do bem geral, e
meditou, agradecido, na Infinita Bondade que o arrancava da condenação para o favor do
serviço. Não vacilou. Seguiu aquele desconhecido de maneiras fraternais que lhe pedia
cooperação e entregou-se decididamente ao trabalho. Em pouco tempo, conheceu a
fundo o martírio das mãos desamparadas, entre a doença e a penúria, carregando órfãos
de pais vivos; o pranto das viúvas relegadas à solidão; as aflições dos enfermos que
esperavam a morte nas áreas de ninguém; a tragédia das crianças abandonadas; o
suplício dos caluniados sem defesa; os problemas terríveis dos obsidiados sem
assistência; a mágoa das vítimas dos preconceitos levados ao exagero pelo orgulho
social; a angústia dos sofredores caídos em desespero pela ausência de fé...
Modificado nos mais profundos sentimentos, o ex-malfeitor consagrou-se ao alívio e à
felicidade dos outros, e, percebendo necessidades e provações que não conhecia,
procurou instruír-se e aperfeiçoar-se. Com quarenta anos de abnegação, adquiriu as
qualidades básicas dos Virtuosos, os recursos primordiais do Sábio, o equilíbrio do
Prudente, as facilidades econômicas do Filantropo, a competência do Pregador, a
acuidade mental do Filósofo e os altos pensamentos do Pesquisador da Verdade...
Quando largou o corpo físico, pela desencarnação – Espírito lucificado no cadinho da
própria regeneração, ao calor do devotamento ao próximo -, entrou vitoriosamente no
Céu, para a ascensão a outros Céus...
***
Um dia, chegaram ao limiar da Esfera Superior o Virtuoso, o Sábio, o Prudente, o
Filantropo, o Pregador, o Filósofo e o Pesquisador da Verdade... Examinados na Justiça
Divina, foram considerados dignos perante as Leis do Senhor; entretanto, para o mérito
de seguirem adiante, luzes acima, faltava-lhes trabalhar na seara do amor aos
semelhantes... Enquanto na Terra, não haviam desentranhado os tesouros que Deus lhes
havia conferido em benefício dos outros, Cabia-lhes, assim, o dever de regressar às lides
da reencarnação, mas, porque haviam abraçado conduta respeitável no mundo, o
Virtuosos receberia, na existência vindoura, mais veneração, o Sábio mais apreço, o
Prudente mais serenidade, o Filantropo mais dinheiro, o Pregador mais inspiração, o
Filósofo mais discernimento e o Pesquisador da Verdade mais luz...
Observando, porém, que o malfeitor, sobejamente conhecido deles todos, vestia alva
túnica resplendente, funcionando entre os agentes da Divina Justiça, começaram a
discutir entre sí, incapazes de reconhecer que na obra do amor qualquer filho de Deus
encontra os instrumentos e caminhos da própria renovação. Desalentados, passaram a
reclamar... Em nome dos companheiros, o Virtuoso aproximou-se do orientador maior que
lhes revisava os interesses no Plano Espiritual e indagou:
- Venerável Juiz, por que motivo um malfeitor atravessou, antes de nós, as fronteiras do
Céu?!...
O magistrado, porém, abençoou-lhe a inquietação com um sorriso e informou,
simplesmente:
- Serviu.

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