quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CARLOS SHALDERS

Sob o título “Uma Vida Longa e Útil”, “O Globo” de 3 de outubro de 1963 prestou sua homenagem ao Professor Carlos Gomes de Souza Shalders, estampando-lhe o retrato na primeira página do 1º. Caderno.
Vários outros jornais do Rio e de São Paulo dedicaram ao Dr. Shalders, pelo transcurso de seu centenário, amplo noticiário, tendo havido, entretanto, um geral desconhecimento quanto à religião por ele professada, ou seja, espírita.
Em vista de ter sido o sócio número 1 da Associação Cristã de Moços e seu primeiro presidente, certa Agência noticiosa de São Paulo julgou que o Professor Shalders ainda era protestante. A verdade, contudo, é que o aniversariante, pelo menos havia três décadas, era espírita convicto, autor mesmo de um estudo bíblico à luz do Espiritismo.
Com os doutores João Batista Pereira, Lameira de Andrade, Canuto Abreu e outros, foi um dos fundadores da extinta “Sociedade Metapsíquica de São Paulo”.
Ocupou o cargo de diretor do Departamento de Metapsíquica da Federação Espírita do Estado bandeirante, do qual foi igualmente vice-presidente, tendo sido entusiasmado pesquisador da fenomenologia mediúnica.
Assistiu a várias sessoes de materialização, num grupo familiar onde o número de assistentes não passava de oito pessoas, incluindo a médium. Isto se deu em 1938, e ele, Carlos Shalders, chegou a narrar para a “Revista Internacional do Espiritismo”, de Matão (SP), os fatos passados numa dessas sessões em casa do senhor L.C., no Rio de Janeiro.
“Seus cem anos de vida – escreveu o nosso confrade, Professor Herculano Pires, no Diário de São Paulo de 06 de Outubro de 1963 -, foram coroados, nas últimas décadas, por uma posição definida e uma constante atividade espírita. Ainda há alguns anos, todos os domingos de manhã, o Prof. Shalders tomava o seu lugar, religiosamente, na primeira fila de cadeira do auditório da Federação, para ouvir as palestras evangélicas de Pedro de Camargo, o venerando pregador e escritor espírita, conhecido por Vinícius, seu pseudônimo literário. Só deixou de fazê-lo quando Vinícius, também em idade avançada, se afastou da tribuna”.
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Nasceu no dia 3 de outubro de 1863, em João Pessoa, Paraíba, filho de Robert James Shalders, vice-cônsul inglês na capital paraibana, e de D. Clementina Rosa Gomes de Souza, natural do Maranhão.
Sua primeira esposa, D. Estefânia Ferreira Pinto Shalders Neto, deu-lhe um filho, que recebeu o nome do avô e que, com 78 anos, representou o pai na sessão solene realizada na Sala da Congregação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde na noite de 3 de outubro de 1963, foi inaugurado o retrato a óleo do Prof. Shalders. Esta homenagem, bem assim a que no dia seguinte lhe fizeram, imortalizando-lhe o nome em medalhão de bronze colocado no Departamento de Matemática da mesma Escola, foram a expressão de reconhecimento de várias gerações de engenheiros.
O Estado de São Paulo conferiu-lhe, na mesma época, o título de “Servidor Emérito do Estado”.
Formado em 1885 pela antiga Escola Central (Escola Politécnica) do Rio de Janeiro, o Prof. Shalders proferiu a aula inaugural da Escola Politécnica de São Paulo, no ato de sua inauguração em 1894. Até 1934, quando se aposentou como Diretor desse estabelecimento, foi professor catedrático de Matemática Elementar (Revisão e Complementos), Trigonometria (Retilínea e Esférica), Álgebra Superior e Geometria Descritiva.
Em 1949, o Conselho Universitário de São Paulo conferiu-lhe o título de “Doutor Honoris Causa”, e, pelo transcurso do seu jubileu no magistério, foi distinguido como “Professor Emérito” pela Congregação da Escola Politécnica.
É o primeiro professor universitário que atinge um século de existência.
Casou-se ainda duas vezes mais, respectivamente com D. Hermantina Shalders e D. Helena Gorhan, duas distintas damas.
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Shalders trabalhou na Estrada de Ferro Paranaguá-Santa Catarina e na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
Estava na Mogiana ao ser proclamada a República. Uma lei determinara então que os filhos de pais estrangeiros optassem pela cidadania dos pais ou pela brasileira. Alguns dos irmãos do Professor Shalders escolheram a cidadania inglesa. Ele, porém, preferiu continuar brasileiro. Trabalhou, depois, em diversos serviços públicos, como a construção do serviço de saneamento da Mogiana.
Secretário particular de Sir Alexander Mackenzie, da Light, aposentou-se como assistente-técnico da empresa, “onde, porém, durante muitos anos ainda, foram conservados sua sala, sua mesa e seu auxiliar exclusivo, a fim de que ele pudesse atender, ocasionalmente, a relatórios e consultas técnicas”. Foi também presidente da primeira Junta Administrativa da Caixa de Aposentadoria e Pensões da Light.
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A educação e a instrução da juventude sempre lhe mereceram as melhores atenções. No tempo em que lecionava, havia falta de livros em português para os estudantes, muitos dos quais se viam impossibilitados ou de adquirir ou de ler as obras em língua estrangeira. O Prof. Shalders então passou a escrever a matéria das aulas e a distribuir as folhas, por ele mesmo mimeografadas, a dez tostões cada uma. Foram as primeiras apostilas universitárias, pelo autor reunidas posteriormente em livro.
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Recolhido ao leito, em sua casa, em conseqüência de uma queda, perfeitamente lúcido e de saúde satisfatória, o Prof. Shalders receber a imprensa, fazendo, entre outras, estas declarações:
“Até 1960, eu caminhava 5 Km por dia. E andando, estudava, aprimorava meus conhecimentos de Esperanto, de que gosto muito”.
Perguntando-lhe o repórter sobre o segredo de sua longevidade, disse o entrevistado:
“Nunca fiz extravagâncias. Nunca fumei. Raramente bebi. Mas acho que a razão principal foi minha vida metódica e, sobretudo, religiosa”.
Engenheiro, educador, matemático, esperantista e espírita, o Professor Carlos Gomes de Souza Shalders foi – diz “O Globo” de 10 de novembro de 1963 – organizador de numerosas instituições cientificas, culturais e de benemerência e retidão moral, esteios de “uma vida longa e útil”, que o fez admirado e querido de todos.
Em 9 de Dezembro de 1963, o Professor Shalders desencarnou na capital paulista, sendo sepultado no Cemitério Redentor.

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