“... O egoísmo é, pois, o objetivo para o qual todos os verdadeiros
crentes devem dirigir suas armas, suas forças e sua coragem; digo
coragem porque é preciso mais coragem para vencer a si mesmo do que
para vencer os outros...”
Para que atinja a espiritualidade, já afirmavam as antigas religiões do
Oriente, seria preciso que o homem se apartasse do “maya”, que são as
ilusões da existência, do nascimento e da morte.
Para que pudesse conquistar o “nirvana”, diziam que seria imperativo
extinguir todo o desejo de ser, aniquilando assim o “ego” que é a
individualidade exaltada e distraída pelas fantasias do mundo.
Ao mesmo tempo, encontramos Jesus Cristo instruindo-nos que, para
alcançarmos o “Reino de Deus”, é preciso nos despojarmos do “egoísmo”, o
terrível adversário do progresso espiritual.
As Bem-Aventuranças do Mestre nada mais são do que vias para se
alcançar a iluminação, ou seja, elevar-se através da mansuetude, humildade e
simplicidade, abandonando todo sentimento de personalismo.
A moderna psicologia tem toda a atenção voltada para que as pessoas
entrem em contato com a realidade e terminem com suas ilusões, que são as
causas da distorção de sua visão e percepção de si mesmas em relação às
outras.
O “maya” das religiões orientais era tudo que impedia as almas de atingir o
estado de “bem-aventurados”, também conceituado como “nirvana” ou “reino
dos céus”, conforme as diferentes denominações e crenças religiosas.
É realmente a ilusão de satisfazermos os próprios interesses em
detrimento dos interesses dos outros que caracteriza o estado de egoísmo - um
conjunto enorme de ilusões, que nos tira do senso de realidade e de uma
compreensão mais acurada de tudo e de todos.
“Não devo ser contrariado”, “Preciso controlar os outros”, “Sou dono da
verdade”, “Nunca poderia ter acontecido comigo” são atitudes ilusórias
herdadas por nós de crenças despóticas e prepotentes, filhas da egolatria, ou
seja, do “culto ao eu”.
As ilusões de “tudo para mim” ou de “tudo girar em torno de mim” vêm
do interesse individualista, resquício da animalidade por onde transitamos, em
priscas eras, em contato com os reinos menores da natureza.
A caça no mundo animal nada mais é do que o uso dos instintos de
preservação e conservação. Felinos de grande ou pequeno porte como, por
exemplo, o leão e o gato, matam seres indefesos e cordiais, como o antílope e
o beija-flor, para alimentar unicamente a si próprios e suas crias. Não devem,
porém, ser considerados como egoístas e cruéis, pois somente colocam em
prática os mecanismos atávicos de sua criação, frutos da própria Natureza.
“O egoísmo e o orgulho têm a sua fonte num sentimento natural: o
instinto de conservação.
Todos os instintos têm sua razão de ser e sua utilidade, porque Deus
nada pode fazer de inútil”. (1)
Em quase todas as crianças é perceptível a necessidade exclusivista de
atenção dos pais em torno delas, como centro de tudo, com a simples
presença no lar de um segundo filho do casal.
É natural e compreensível o aparecimento do impulso egóico.
O medo de perder suas satisfações, cuidados e compensações
psicoemocionais faz com que a criança nessas condições use o “instinto de
preservação”, a fim de “conservar” o carinho, o afago e o amor, antes somente
voltados para ela, e agora divididos com o novo irmão.
O denominado ciúme ou egocentrismo infantil não poderá ser
considerado anormal, desde que não tome proporções alarmantes. E uma
reação natural diante de situações verdadeiras ou imaginadas, de perda de
afeto, podendo existir sutilmente disfarçada ou claramente demonstrada.
Nas criaturas que desenvolvem seus primeiros passos no
aperfeiçoamento ético-moral, a tendência egoística é um estado instintivo,
próprio do seu grau evolutivo, e não um defeito de caráter incompreensível,
nem uma imperfeição inexplicável da índole humana.
“Esse sentimento, encenado em seus justos limites, é bom em si; é o
exagero que o torna mau e pernicioso...” (2) Como o feto necessita, por
determinado tempo, do cordão umbilical ou mesmo da placenta para sua
manutenção, assim também a humanidade transformará gradativamente esse
impulso inato e ancestral, adquirido através dos séculos e séculos, na luta pela
sobrevivência nos estágios primitivos da vida.
Essa mesma humanidade absorverá no futuro atitudes mais equilibradas
e coerentes com seu patamar evolutivo, aprendendo a usar cada vez melhor
seus sentimentos, antes somente instintos.
Dessa forma, entendemos que o egoísmo, esse agrupamento de ilusões
de supremacia, existirá por determinado período de tempo nas criaturas, até
que elas consigam se conscientizar de que a atitude de “lavar as mãos”, de
Pôncio Pilatos, isto é, consideração excessiva aos seus interesses pessoais,
agindo arbitrariamente, trará sempre desilusões e obstrução na percepção do
mundo em que vivemos. Já o exemplo do Cristo nos transfere a uma ampla
realidade de que o amor é a única força capaz de nos trazer lucidez e equilíbrio
no relacionamento conosco e com os outros.
Eis o antídoto contra o egoísmo: “Não fazer aos outros o que não
gostaríamos que os outros nos fizessem”.
Obras Póstumas – Allan Kardec, Capítulo O egoísmo e o orgulho.
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