Na estufa municipal, sob o telhado de vidro sujo, trabalhava Elias. Não era o jardineiro-chefe, mas o limpador. Sua função era varrer o excesso: folhas mortas, hastes quebradas e, principalmente, as sementes rejeitadas.
Todas as tardes, quando o Dr. Benício, o botânico renomado, encerrava seus testes, ele jogava fora o que considerava "lotes falhos": sementes que não germinavam rápido o suficiente, bulbos que não alcançavam o calibre exigido, ou grãos híbridos que não exibiam a cor esperada.
"Lixo genético, Elias," dizia o Dr. Benício, com desdém, ao apontar para o monte de terra e cascas. "Mistura que não presta. Mantenha isso fora da vista."
Elias assentia, mas nunca jogava fora. Em vez disso, recolhia cuidadosamente os "descartes" em pequenos sacos de papel.
O que o Dr. Benício não sabia é que Elias, ao invés de ir para casa, caminhava por uma hora até o Bairro da Colina Seca, uma favela onde a terra era pobre e a fome, constante. Ali, as mães tinham dificuldade em alimentar os filhos, pois o solo improdutivo só produzia poeira.
"Olha, o Elias chegou!" gritavam as crianças, cujos sorrisos eram a única coisa que crescia naquelas vielas.
Elias ajoelhava-se na terra rachada. Ele não lhes dava dinheiro, mas esperança.
"Vamos, Joãozinho," ele dizia a um menino magro de olhos curiosos, "traz o seu balde. Hoje plantaremos o tomate de crescimento lento."
"Mas, Elias," perguntava Maria, uma vizinha desconfiada, "por que o Dr. Benício jogaria fora uma semente boa?"
"Porque a pressa dele não é a pressa da terra, Maria," respondia Elias. "Ele busca o lucro rápido. Nós buscamos o sustento. Estas sementes são resistentes. Só precisam de tempo e de quem acredite nelas."
Em seu minúsculo barraco, sob a luz de um lampião, Elias passava horas catalogando as sementes: os feijões azuis "defeituosos", as abobrinhas "pequenas demais", as ervas daninhas "teimosas". Ele as separava, as enriquecia com compostagem própria e as preparava para o solo difícil da Colina Seca. A cada ciclo, ele ensinava os vizinhos a cultivar aqueles "descartes" até que a paisagem cinzenta começou a ganhar pinceladas de verde e vermelho.
Anos se passaram. Elias continuava a recolher os restos da estufa. Continuava a plantar na Colina Seca. As crianças cresceram com hortas nos seus quintais minúsculos.
Até que, numa manhã de primavera, um carro de luxo parou em frente à estufa municipal. Dele saiu uma mulher elegante, de uns 30 anos, usando um jaleco de trabalho impecável.
"Estou procurando Elias," ela disse à recepcionista.
Elias, que estava terminando de varrer o chão de vidro, levantou a cabeça.
"Sou eu," ele disse, limpando as mãos no avental sujo.
A mulher se virou. Seus olhos se encheram d'água.
"Não se lembra de mim?" ela perguntou, com a voz embargada. "Eu sou a Anita. A menina que plantava a alface teimosa no Bairro da Colina Seca."
O ar faltou a Elias. "Anita? Minha pequena jardineira?"
"A mesma," ela sorriu, com a dignidade de uma vencedora. "Mas agora sou engenheira agrônoma. Consegui uma bolsa, estudei no exterior e acabei de voltar para abrir uma ONG que visa a segurança alimentar."
Elias sentiu as pernas tremerem.
"Eu... não entendo..."
"Vim te buscar, Elias," disse Anita. "Nunca esqueci a fome. E nunca esqueci que as sementes que alimentaram minha família e me permitiram estudar foram as que o seu chefe jogou fora. A senhora que me deu a bolsa me perguntou o que eu faria. Eu disse: 'Vou dar valor ao que o mundo rejeita.'"
Ela abriu sua pasta.
"Minha organização acabou de comprar um grande terreno no vale. Queremos transformá-lo em uma cooperativa modelo, ensinando as pessoas a cultivar produtos resistentes em solos pobres. E preciso de um Diretor Técnico. Um Mestre da Terra. Alguém que saiba que o valor não está no que é perfeito, mas no que tem a força de germinar. Aceita trabalhar comigo?"
O Dr. Benício, ao ouvir a conversa, observou a cena do alto de seu escritório, perplexo.
Elias olhou para Anita. Ele viu, naquela mulher forte e de sucesso, a colheita dos "restos" que ele havia plantado. Ele viu que as sementes que ele havia salvado haviam criado raízes que se tornaram um destino.
"Sim," respondeu Elias, com a voz firme. "Eu aceito, minha filha. Sempre sim."
Eles saíram juntos da estufa: ela com seu diploma e ele com seu velho saco de sementes. Indo mostrar que os maiores jardins nascem daquilo que o mundo descarta, quando alguém lhes dá uma segunda chance e um coração generoso.

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