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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Perfeição

Os instrumentos da perfeição
Naquela noite, Simão Pedro trazia à conversação o espírito ralado por extremo desgosto.
Agastara-se com parentes descriteriosos e rudes.
Velho tio acusara-o de dilapidador dos bens da família e um primo ameaçara esbofeteá-lo
na via pública.
Guardava, por isso, o semblante carregado e austero.
Quando o Mestre leu algumas frases dos Sagrados Escritos, o pescador desabafou. Descreveu
o conflito com a parentela e Jesus o ouviu em silêncio.
Ao término do longo relatório afetivo, indagou o Senhor:
— E que fizeste, Simão, ante as arremetidas dos familiares incompreensivos?
— Sem dúvida, reagi como devia! — respondeu o apóstolo, veemente. — Coloquei cada
um no lugar próprio. Anunciei, sem rebuços, as más qualidades de que são portadores. Meu tio
é raro exemplar de sovinice e meu primo é mentiroso contumaz. Provei, perante numerosa
assistência, que ambos são hipócritas, e não me arrependi do que fiz.
O Mestre refletiu por minutos longos e falou, compassivo:
— Pedro, que faz um carpinteiro na construção de uma casa?
— Naturalmente, trabalha — redargüiu o interpelado, irritadiço.
— Com quê? — tornou o Amigo Celeste, bem-humorado.
— Usando ferramentas.
Após a resposta breve de Simão, o Cristo continuou:
— As pessoas com as quais nascemos e vivemos na Terra são os primeiros e mais importantes
instrumentos que recebemos do Pai, para a edificação do Reino do Céu em nós mesmos.
Quando falhamos no aproveitamento deles, que constituem elementos de nossa melhoria, é
quase impossível triunfar com recursos alheios, porque o Pai nos concede os problemas da
vida, de acordo com a nossa capacidade de lhes dar solução. A ave é obrigada a fazer o ninho,
mas não se lhe reclama outro serviço. A ovelha dará lã ao pastor; no entanto, ninguém lhe exige
o agasalho pronto. Ao homem foram concedidas outras tarefas, quais sejam as do amor e da
humildade, na ação inteligente e constante para o bem comum, a fim de que a paz e a felicidade
não sejam mitos na Terra. Os parentes próximos, na maioria das vezes, são o martelo ou o
serrote que podemos utilizar a benefício da construção do templo vivo e sublime, por intermédio
do qual o Céu se manifestará em nossa alma. Enquanto o marceneiro usa as suas ferramentas,
por fora, cabe-nos aproveitar as nossas, por dentro. Em todas as ocasiões, o ignorante
representa para nós um campo de benemerência espiritual; o mau é desafio que nos põe a bondade
à prova; o ingrato é um meio de exercitarmos o perdão; o doente é uma lição à nossa
capacidade de socorrer. Aquele que bem se conduz, em nome do Pai, junto de familiares endurecidos
ou indiferentes, prepara-se com rapidez para a glória do serviço à Humanidade, porque,
se a paciência aprimora a vida, o tempo tudo transforma.
Calou-se Jesus e, talvez porque Pedro tivesse ainda os olhos indagadores, acrescentou
serenamente:
— Se não ajudamos ao necessitado de perto, como auxiliaremos os aflitos, de longe? Se
não amamos o irmão que respira conosco os mesmos ares, como nos consagraremos ao Pai
que se encontra no Céu?
Depois destas perguntas, pairou na modesta sala de Cafarnaum expressivo silêncio que
ninguém ousou interromper.

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