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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Eterno Valor

Guerra Junqueiro

Na silenciosa paz do cimo do Calvário
Ainda se vê na cruz o Cristo solitário.

Vinte séculos de dor, de pranto e de agonia,
Represam-se no olhar do Filho de Maria.

Abandonado e só na aridez da colina,
Sofre infindo martírio a vítima divina;

Açoitado, traído e calmo, silencioso,
Da Terra ao Céu espraia o seu olhar piedoso.

Dois mil anos de dor, e os seus cruéis algozes
Passaram sem cessar como chacais ferozes.

Caravanas de reis nos tronos passageiros,
Exaltados na voz das trompas dos guerreiros;

Os lendários heróis no dorso dos corcéis,
Inscrevendo com fogo as máximas das leis.

Cavalheiros gentis, valentes brasonados,
Nobres de sangue azul nos seus mantos dourados.

Viram-no seminu, na cruz, ensanguentado,
E puseram-se a rir do louco supliciado!

O Cristo continuou, humilde e silencioso,
Espraiando na Terra o seu olhar piedoso.

Sábios do tempo antigo abrindo os livros santos
Olharam-no também, partindo como tantos.

Artistas e histriões, poetas e trovadores,
Castelãs juvenis, turbas de gozadores

Inda vieram; depois, aqueles que em seu nome
Espalharam a treva, o pranto, a guerra e a fome.

Desolação e horror, mataram-se os irmãos,
Lobos, tigres, chacais, na capa dos cristãos.

Contemplaram Jesus no cume da colina,
Multiplicando a guerra, as lutas e a chacina.

O Mestre prosseguiu, sublime e silencioso,
Espraiando na Terra o seu olhar piedoso.

E na época atual a caravana estranha
Estaca no sopé da árida montanha;

Mas os soberbos reis e césares antigos,
Hoje mais nada são que míseros mendigos;

Os nobres doutro tempo, agora transformados
Nos parias do amargor, nos grandes desgraçados,

Agora vêem, sim, no topo do Calvário,
O sacrifício e a dor do eterno visionário,

Bradando com furor: – “Socorre-nos Jesus!
Que possamos vencer a dor em nossa cruz.

Sorvendo o amaro fel nas dores da aflição,
Temos fome de paz e sede de perdão!”

E o Mestre da bondade, o anjo da virtude,
Estende o seu perdão cheio de mansuetude.

E do cimo da cruz, calmo e silencioso,
Consola a multidão com o seu olhar piedoso.

Do livro Parnaso de Além-Túmulo. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

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