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sábado, 29 de janeiro de 2011

OS VERDADEIROS MORTOS

Os orgulhosos, os prepotentes e os vaidosos de seus títulos, os quais consideram a humildade, o perdão e a fé como artifícios usados pelos fracos, são, na verdade, os cegos do caminho, cujo aprendizado na Terra se restringe a um mínimo de aproveitamento espiritual. Cultivam outros valores que nada significam perante o verdadeiro sentido da vida. Nada compreendem, senão o que os olhos físicos podem enxergar. Vêem e não enxergam, ouvem, mas não compreendem.
   Transitam no mundo das aparências, atendendo aos instintos muito mais do que aos sentimentos. São os mortos aos quais se referiu Jesus, ao afirmar: "Deixai aos mortos os cuidados de enterrar os seus mortos".
   Essa é a verdadeira morte, e não a da sepultura. Morrem no corpo e continuam mortos no mundo espiritual, buscando os mesmos valores e as mesmas ilusões.
   Vou transcrever um acontecimento como muitos dos que acontecem com os espíritos apegados aos valores da Terra:
   O senhor Antonio era um dos imigrantes dos muitos que vieram para o Brasil no início do século vinte, carregando a tiracolo um baú repleto de sonhos e de esperanças. Objetivo: enriquecer com as oportunidades de trabalho que a nova terra oferecia aos estrangeiros.
   Estabelecido às margens de um córrego, na periferia de uma grande cidade, tornou-se um próspero chacareiro. Trabalhou com afinco e acabou conquistando a fortuna com que sonhara.
   Com o dinheiro acumulado, tornou-se proprietário de três luxuosas padarias e de uma leiteria. Apesar de tornar-se um rico negociante, dava relativo conforto aos dois filhos e a uma filha. Sua esposa, sempre servil, cumpria fielmente os afazeres de casa, cansada de tanto trabalhar desde o tempo da chácara; pleiteava do esposo a possibilidade de contratar uma empregada para ajudá-la. Antonio se negava, justificando que era preciso economizar.
   Embora a possibilidade de colocar seus filhos nas melhores faculdades particulares, usou das amizades que conquistara e conseguiu matricular seus filhos nas faculdades públicas. Levava uma vida regrada. Administrava seus bens com acentuado resquício de avareza. Apesar disso, raras vezes deixou de comparecer à Igreja para assistir à missa. Ali era estimado por todos. Embora contribuísse para a construção e manutenção da paróquia, nunca se soube que tivesse dado alguma coisa para alguém. Usava constantemente o argumento de que tudo o que possuía fora conquistado à custa de muito suor e trabalho.
     Às vistas do mundo, era considerado um cidadão respeitado.
   Por ocasião da comemoração do dia de Santo Antonio, a paróquia armou a tradicional quermesse. Entre vinhos e petiscos, Antonio era o grande benfeitor homenageado! Todos afirmavam em cochichos:
     — O senhor Antonio é um santo homem! Dizem que ele pagou todos os bancos novos da Igreja.
    Cercado pelas lisonjas e pelas atitudes de reverência dos amigos, ao sorver um gole de precioso vinho português, tomba fulminado por um infarto agudo do miocárdio.
    Dona Ernestina, sua esposa, depois de superar o choque que o acontecimento acarretou, providenciou seu sepultamento. Há muito o cemitério não via um velório tão concorrido. Nem um tostão foi economizado pela viúva; desde o caixão até a campa foi empregado material de primeira linha.
     Os comentários em torno do acontecido exaltavam a figura do homem que se tornara um símbolo de retidão e de trabalho. O padre, em seus sermões, não poupava elogios ao eminente falecido. Constantemente, enumerava os benefícios que a Igreja recebera do ilustre paroquiano.
     A viúva, com o terço desgastado pelo suor das mãos, orava quase todos os dias debruçada sobre a rica e bem cuidada sepultura.
    Fora do corpo, Antonio não se deu conta do ocorrido. Entretido com os negócios aos quais mantinha preso seu coração, tornando o principal objetivo da sua vida, continuava sua rotina.
    Sentado no caixa, como sempre fazia quando estava encarnado, só que agora, sobreposto ao corpo do filho mais velho, o qual não conseguia ver, e que, depois da sua morte, assumira o seu lugar, lá estava ele todos os dias recebendo a conta dos fregueses. Porém, seus fregueses agora eram outros, espíritos errantes mergulhados na mesma ilusão.
     O tempo passou...
    Seus filhos casaram-se. Ernestina passou a viver só, no luxuoso casarão que Antonio havia construído não para desfrutar do conforto, mas pelo investimento que representava.
   Todas as noites, ao adormecer e deixar o corpo entregue ao descanso, dona Ernestina conversava com Antonio, como se os dois estivessem ainda encarnados. Ele reclamava muito dos negócios que, ao seu ver, não iam muito bem. Não se conformava com os filhos que casaram sem o seu consentimento e dizia que as noras e o genro eram aproveitadores. A esposa, também ignorando a situação, calava-se diante de tais reclamações, limitando-se a ouvi-lo. Sentado à mesa próxima ao cofre, Antonio amanhecia fazendo contas. Demonstrava excessivo nervosismo; o dinheiro parecia escoar-se. Recomendava severamente que a esposa não deixasse os filhos mexer nas suas coisas e que cuidasse de demitir a empregada que haviam contratado para ajudá-la na manutenção da casa, pois esta poderia roubá-los.
    Talvez, por misericórdia de Deus, raras vezes a esposa recordava desses encontros fora do corpo. Quando conseguia, eram recordações fragmentadas que lhe causavam um grande mal estar ao retornar ao corpo pela manhã.
     Seu filho, ao qual se ajustava fluidicamente, passou a registrar os sintomas do infarto que o pai havia sofrido.  Sem que percebesse, estava agindo exatamente como o pai agia quando vivo. Assumira até os seus trejeitos.
     Nesse mundo, próprio daqueles que se descuidaram da realidade do espírito eterno, Antonio, ao ver seus descendentes usufruindo dos valores dos quais se julgava o único com o direito de usufruir e dispor, continuou durante mais de duas décadas participando da vida terrena, influenciando o comportamento do filho e de toda a família, até que a misericórdia divina, em função do profundo estado de ignorância e revolta em que se encontrava e devido ao mal que causava a si mesmo e aos seus, providenciou-lhe uma reencarnação compulsória, situando-o novamente nas experiências terrestres, como filho do neto mais velho.
   Antonio é o exemplo típico da mentalidade que predomina numa grande maioria dos encarnados.
     São aqueles que batem no peito e afirmam:
     — Eu fiz tudo o que um homem deve fazer na vida: criei meus filhos, dei-lhes moradia segura, alimentei-os preparando-os para o mundo. Cumpri o meu dever!
    Só que eles não percebem que tudo o que afirmam ter feito, os animais também o fazem, e alguns deles o fazem melhor do que muitos de nós, porque, além de alimentarem e de oferecerem moradia segura aos seus filhos, eles os libertam sem exigir-lhes sequer a gratidão.
   Vivemos a era do espírito! Não podemos continuar vivendo pela metade. Precisamos viver integralmente a nossa verdadeira natureza. Não somos carne! Somos espíritos eternos e, como tal, precisamos viver.
   Agir, pensar e falar como espíritos eternos é o que mais importa neste século. É preciso desenvolvermos olhos para ver e ouvidos para ouvir. Só assim poderemos dar verdadeiro sentido a nossa existência.
   Para o mundo, Antonio era o exemplo de um homem bem sucedido, mas pudemos observar que, fora do corpo, a realidade era outra.

                                     Trecho extraído do livro: Perdão! O Caminho da Felicidade!
                                                                                      Nelson Moraes

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