É constante, em todos os livros sacros da humanidade, a afirmação de que Deus é
luz. Antigamente, essa comparação parecia ser apenas um• arroubo poético, e não uma
verdade filosófica; porqüanto é sabido que a luz enche de vida, beleza e alegria o
universo inteiro.
Hoje em dia, porém, na alvorada da Era Atômica, entrou essa verdade em uma
nova fase de significação; ultrapassou as fronteiras da beleza poética e invadiu os
domínios da ciência física e da verdade metafísica.
Sabemos, em nossos dias, que a luz cósmica, não focalizada — o “c” da
conhecida fórmula einsteiniana, E = mc2 — é a base e, por assim dizer, a matériaprima
de todas as coisas do mundo material e astral. Os 92 elementos da
química, desde o mais simples ou Hidrogênio) até ao mais complexo ou
Urânio), são filhos da luz invisível, a qual quando condensada em diversos
graus, produz os elementos, e destes são feitas todas as coisas do mundo.
Quer dizer que, no plano físico, a luz é a causa e origem de todas as
matérias e forças do universo.
Ora, o que a luz é no plano físico, isto é Deus na ordem metafísica ou
espiritual do cosmos. A luz física é o grande símbolo desse simbolizado
metafísico.
Deus, segundo Aristóteles, é actuspurus(pura atividade); nele não há
passividade, ou, no dizer de João Evangelista, “Deus é luz, e nele não há
trevas”.
Ora, afirma o divino Mestre que ele é a luz do mundo, e que também
seus discípulos são a luz do mundo — quer dizer que a essência de Deus está
nele e neles.
A luz é a única coisa incapaz de ser contaminada, porque a sua vibração
é máxima, que não é afetada por nenhuma vibração inferior.
Todas as coisas do mundo são lucigênitas, e sua íntima essencia é luz
ou lucidez. E tanto mais incontaminável é uma coisa quanto mais lúcida.
A afirmação de que os discípulos do Cristo são luz, a mesma luz divina
do Cristo, é um veemente convite, quase um desafio, para a completa
lucificaçào da existência humana pela essência divina. A mente do homem é
como que um invólucro semitranslúcido, e o corpo um invólucro totalmente
opaco; no interior desses invólucros, porém, está a luz integral da divindade,
que se individualizou no homem como seu Eu central.
Toda a tarefa da espiritualização do homem consiste em que ele faça a
sua existência humana tão pura e luminosa como a sua essência divina —que
essencialize toda a sua existencia.
A lucidez ou luminosidade consiste na intensidade da nossa consciência
divina. No plano da ideologia dualista, em que se move quase toda a teologia e
filosofia do ocidente cristão, é difícil o homem convencer-se definitivamente de
que a íntima essência do seu próprio ser seja idêntica à essência divina.
A verdade, porém, é esta: o homem não está separado de Deus, como
não é idêntico a Deus, mas é distinto de Deus. Esse “ser distinto”, é por assim
dizer, equidistante do “ser separado” e do “ser idêntico”, equidistante do
dualismo transcendentista e do panteismo imanentista. Esse “ser distinto” de
Deus, baseado no “ser idêntico” pela essência e no “ser diferente” pela
existência faculta ao homem a divinização da sua vida, sem o levar ao absurdo
37
da deificação, garantindo-lhe assim, a responsabilidade ética dos seus atos
conscientes e livres. Se o homem é moralmente bom, virtuoso, não é Deus que
é bom nele, mas ele mesmo; se o homem é moralmente mau, pecador, não é
Deus que é mau nele, mas éo homem. Quem pratica virtude ou comete pecado
é o homem existencial, e não o homem essencial, é o elemento humano nele e
não o elemento divino.
*
Diz, pois, o divino Mestre:
“Vós sois a luz do mundo... Não pode permanecer oculta uma cidade
edificada sobre um monte; nem se acende uma lampada e se põe debaixo do
alqueire, mas sim sobre o candelabro para que alumie a todos os que estão na
casa. Assim brilhe a vossa luz perante os homens para que vejam as vossas
boas obras —e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
O homem realmente cristificado não deve o cultar-se debaixo do alqueire
do anonimato, mas brilhar no candelabro da mais larga publicidade —deve ser
até como uma cidade ou um farol no alto de um monte, para que o mundo
inteiro veja os fulgores dessa luz e por ela oriente a sua vida.
A comparação, tanto com o candelabro como com o monte, diz
visibilidade, publicidade, porque o arauto do reino de Deus não é um “ocultista”,
mas sim um emissário da luz cósmica, ele mesmo é a “luz do mundo”, que é
expansiva por sua própria natureza.
É opinião assaz comum entre os inexperientes que o homem espiritual
deva evitar a publicidade e procurar o mais possível a obscuridade da solidão e
do anonimato, a fim de não perder a sua sacralidade e cair vítima da
profanidade. E, de fato, essa solidão e esse anonimato são necessários,
embora num sentido diferente daquele que os profanos supõem.
O ego físico-mental do homem comum deve desaparecer no anonimato,
e o seu Eu divino deve viver em profunda solidão. O homem espiritual deve ser
profundamente solitário com Deus, para que possa ser vastamente solidário
com todas as creaturas de Deus: assim não há perigo de profanação.
Ai daquele que perder a sua silenciosa sacralidade em Deus! De nada
lhe servirá a sua ruidosa sociabilidade com os homens e o mundo. A profana
sociedade tem de ser fecundada pela mística sacralidade para que resulte em
fecunda solidariedade.
Em suas relações com Deus é todo homem profundamente só e solitário;
ninguém o pode acompanhar a essas alturas e profundezas, envoltas em
eterno silêncio. Ninguém poderá saber jamais o que se passou entre a alma e
Deus, nas silenciosas alturas do Himalaia ou na taciturna vastidão do Saara
onde se dá esse encontro entre Deus e a alma humana. A experiência mística
se dá para além das barreiras do tempo e do espaço, no anonimato do “terceiro
céu”, e por isso é essencialmente intransferível e incomunicável; o que é dito à
alma, nessa luminosa escuridão, são “ditos indizíveis”.
Essa solidão vertical é necessária e não pode jamais ser substituida pela
sociedade horizontal. Esse santuário íntimo do homem é indevassável; nem as
relações mais íntimas, de pai a filho, de mãe e filha, de esposo a esposa, de
amigo a amigo, podem desvendar esse mistério. Onde não existe e persiste
essa solidão cósmica, esse profundo silêncio metafísico , esse indevassável
anonimato místico entre a alma e Deus, toda a publicidade é um perigo e uma
38
profanação, é uma apostasia e uma infidelidade cometida contra a sacralidade
do Eu divino. O homem que não possua suficiente fidelidade a seu Eu divino
não deve arriscar-se à publicidade; não deve colocar-se no alto do candelabro
ou no cume do monte; é preferível que fique debaixo do alqueire ou no fundo
do vale, onde não há perigo de quedas catastróficas. Quanto mais alto o
homem está, mais profundamente poderá cair , se essa altura lhe der
vertigens.
O perigo da vertigem vem da ilusão de que essa sublime posição seja
obra do seu ego personal, vem do erro fatal de que a pessoa humana tenha
creado essa glória no alto do candelabro ou no cume do monte.
Duas vezes, diz um grande iniciado oriental, Brahman se sorri do
homem, da primeira vez quando o homem afirma: “Eu faço isto, eu faço aquilo”,
e da segunda vez quando o homem diz: “Eu vou morrer.
Ambas às vezes o homem confunde o seu verdadeiro Eu com o seu
pseudo-eu. Quando o homem pensa que é ele — seu ego personal — que fez
isto ou aquilo, e não o “pai dos céus” — o seu Eu divino; quando o homem
pensa que o seu eterno e imortal Eu divino vai morrer — então se revela
totalmente analfabeto no conhecimento de si mesmo.
Onde há ilusão há possibilidade de queda. Só quando a totalidade da
ilusão cedeu à totalidade da verdade é que há segurança absoluta.
Tem-se dito que a experiência mística torna o homem orgulhoso e
desprezador de seus semelhantes, os “profanos” lá embaixo. Quem assim
pensa e fala não sabe o que quer dizer experiência mística. Esse orgulho é
possível no caso da pseudomística, quando o homem atribui a sua
espiritualidade ao mérito de seu ego personal, ignorando que “todo o dom
perfeito vem de cima, do Pai das luzes”, e que a iluminação espiritual é obra da
graça divina. Mas, ninguém pode orgulhar-se daquilo que é de Deus, só se
pode envaidecer de algo que seja do seu ego.
Um jovem ocultista britânico perguntou a um grande místico da Índia se
achava que ele, o ocultista, poderia, um dia, chegar a fazer as “obras de
poder”, chamadas “milagres”, que Jesus fazia; ao que o iniciado lhe respondeu
calmamente: “Pode, sim, contanto que você não creia que é você que fez
essas obras.”
Quem atribui a seu pequeno ego humano qualquer obra espiritual está no
erro; o erro gera o orgulho, e o orgulho prepara a queda. Mas quem
compreendeu definitivamente que nenhum efeito espiritual pode provir de uma
causa material ou mental, esse está na verdade, e a verdade o libertará de
qualquer ilusão e perigo de queda.
Quando Jesus diz a seus discípulos que devem colocar a sua luz no
candelabro ou no alto do monte supõe ele que esses homens possam
ultrapassar o estágio da Ilusão sobre si mesmos e adquirir plena clareza e
certeza sobre a causa real de todos os efeitos espirituais.
Neste sentido, acrescenta ele: “assim brilhe a Vossa luz perante os
homens para que vejam as Vossas boas obras e glorifiquem a VOSSO Pai que
está nos céus” — que vejam os efeitos visíveis e glorifiquem a causa invisível
O ego humano, sendo apenas uma função do Eu divino, nada fez por si
mesmo, assim Como uma ferramenta não produz nada se não for usada pelo
homem.
Não existe, no mundo físico, nenhum elemento incontaminável exceto a
luz. Todas as outras coisas aceitam impureza. Quando, por exemplo lavamos
39
com água pura um objeto impuro, a água se torna impura na mesma razão em
que purifica o objeto impuro; não pode neutralizar senão apenas transferir para
si as impurezas do Outro. A água é sumamente contaminável, ou “vulnerável”
Só a luz é incontaminável invulnerável; pode penetrar em todas as impurezas
do mundo sem se tornar impura.
É esta, sem dúvida a mais pura glória do homem crístíco, poder ser puro
no meio dos impuros e das impurezas em derredor; purificar as impurezas sem
se contaminar com essas impurezas É o máximo de invulnerabilidade.
Essa invulnerabilidade interior é pureza, pureza de coração.
Essa pureza da invulnerabilidade nasce Unicamente da experiência clara e
nítida da verdadeira natureza humana, que é essencialmente divina, e, como
Deus é puro e invulnerável, deve também a essência divina do homem
participar dessa pureza e invulnerabilidade.
A impureza consiste na ilusão de que o pequeno ego humano realize
coisas espirituais e possa produzir a redenção do homem, como pensava
aquele ego luciférico que tentou ao Cristo, no deserto. Egoísmo é impureza, e
tanto mais vulnerável é o homem quanto mais impuro, e tanto menos
vulnerável quanto mais puro de coração.
Essa pureza do coração nasce do conhecimento da verdade, ao passo
que a impureza nasce da ilusão.
Nenhum homem purificado pelo conhecimento da verdade sobre si
mesmo se orgulha da sua espiritualidade, mas agradece humildemente a Deus
por essa dádiva, porque sabe que não foi ele, seu ego físico-mental, que
produziu esse efeito, mas que foi a graça de Deus.
Nenhum homem purificado pelo conhecimento da verdade sobre si
mesmo se sente ofendido por atos, palavras ou opiniões injustas dos outros,
porque sabe que essas ofensas não atingem o seu verdadeiro Eu divino, senão
apenas o seu falso eu humano. Sabe que nenhum mal que outros lhe fazem
lhe faz mal, porque não o faz mau.
Se alguém ofende o paletó ou a blusa que visto, não ofende a mim,
porque eu não sou o paletó nem a blusa; isto é meu, mas não sou eu; é algo
que eu tenho, mas não o que eu sou. Da mesma forma, quem ofende o ego da
minha persona — que quer dizer “mascara” não ofende a mim, porque eu não
sou essa máscara da personalidade. Eu sou a minha divina individualidade,
que é absolutamente invulnerável pelo lado de fora, pelas adversidades da
natureza ou pelas perversidades dos homens! Quem me pode ofender é só
aquele que está do lado de dentro, isto é, o meu ego humano. Quem vulnera o
Eu é o ego; quem peca Contra a divina individualidade do Eu é a humana
personalidade do ego —Lúcifer versus Lógos!
Esta luz divina que em mim está deve ser colocada no candelabro Como
uma lâmpada, no alto do monte como um farol. Quem é remido do seu falso eu
pode ajudar outros para se redimirem também. Por isso, deve ele fazer brilhar
a sua luz, porque essa luz é a luz de Deus que brilha através do homem, como
através de um límpido cristal, no caso que o homem renuncie à opacidade do
seu egoísmo e aceite a transparência do amor.
*
O homem profano é impuro no meio dos impuros. O homem místico é
puro longe dos impuros.
40
O homem crístico é puro no meio dos impuros, assim como a luz é pura
no meio das impurezas.
O impuro no meio dos impuros é, geralmente, ruidosamente social.
O puro longe dos impuros é silencíosamente Solitário.
O puro no meio dos impuros é serenamente solidário.
Por via de regra, para que o homem possa ser serenamente solidário com toda
a humanidade, solidamente crístico, é necessário que tenha passado pelo
estágio da solidão silenciosa, profundamente mística, longe da sociedade dos
impuros, ruidosamente profanos. E nesse período da mística solitária que o
homem lança os alicerces inabaláveis para o seu edifício crístico de
solidariedade universal. Uma vez que o homem ultrapassou certa fronteira
interna de experiência de Deus em si mesmo, está definitivamente imunizado
contra as velhas enfermidades do homem profano — cobiça, luxúria, vanglória,
egoísmo, desejo de aplausos e admiração, expectativa de resultados
palpáveis, medo de castigo ou esperança de prêmio — de todas essas
doenças convalesceu para sempre o homem que chegou ao conhecimento da
verdade sobre si mesmo, seu verdadeiro Eu divino, e não mais corre perigo de
recair nessas misérias, porque a verdade o libertou de toda a ilusão e
escravidão. Ele é livre e puro como a luz.
Mas, também, é suave e benévolo como a luz solar, em pleno dia, e não
violento e destruidor como a veemência de um raio em plena noite.
Só depois que o homem aprendeu por experiência íntima, no silencioso
abismo da mística, o que é Deus e o que é ele mesmo, é que ele pode atreverse
a ser de todas as creaturas de Deus sem deixar de ser de Deus, pode andar
por todos os mundos de Deus sem deixar de ser do Deus do mundo.
Ai do homem que quiser ser solidário com os homens antes de ser
solitário com Deus!
Ai do homem que se derramar pelas ruidosas periferias das creaturas
antes de estar firmemente alicerçado no silencioso centro do Creador!
Nenhum homem pode ser, por fora, de todas as creaturas de Deus sem
que seja, por dentro, só de Deus.
Nenhum homem pode ser plenamente crístico sem que seja
profundamente místico.
Só o contato direto com o Infinito é que torna o homem invulnerável no
meio dos finitos.
E essa invulnerabilidade crística nada tem de lúgubre, de pessimista, de
negativo, de triste — ela é toda leve e luminosa,amável e sorridente como sua
irmã gêmea, no mundo físico, a luz, que ésuavemente poderosa e
poderosamente suave.
Pela mística solidão com Deus adquire a alma uma espécie de castidade,
de intensa virgindade espiritual, que, depois, na Crística solidariedade com os
homens, se revela em fecunda maternidade, mãe de numerosos filhos de
Deus. Essas núpcias espirituais da alma crÍstica supÕem a pura virgindade da
alma mística.
No início de toda a vida nova está o sentimento natural do pudor. A vida
é um mistério tão sagrado que a sua transmissão deve ser velada em profunda
escuridão, oculta pelo véu invisível do pudor, tanto no plano biológico como no
plano espiritual da humanidade. A experiência mística é uma concepção
espiritual, que deve ser velada em mistério. É que se passa, na solidão
anônima, entre uma alma e Deus nunca ninguém o saberá, nem deve saber;
41
está envolto em impenetrável pudor; só as conseqüências desse encontro
místico da alma com Deus é que podem ser reveladas, na vida diária do
homem cristificado.
A vida do homem cósmico é pura como a luz, na sua solidão mística — e
é fecunda como a luz, na sua solidariedade crística...
“Vós sois a luz do mundo”...
“Brilhe diante dos homens a vossa luz!”...
luz. Antigamente, essa comparação parecia ser apenas um• arroubo poético, e não uma
verdade filosófica; porqüanto é sabido que a luz enche de vida, beleza e alegria o
universo inteiro.
Hoje em dia, porém, na alvorada da Era Atômica, entrou essa verdade em uma
nova fase de significação; ultrapassou as fronteiras da beleza poética e invadiu os
domínios da ciência física e da verdade metafísica.
Sabemos, em nossos dias, que a luz cósmica, não focalizada — o “c” da
conhecida fórmula einsteiniana, E = mc2 — é a base e, por assim dizer, a matériaprima
de todas as coisas do mundo material e astral. Os 92 elementos da
química, desde o mais simples ou Hidrogênio) até ao mais complexo ou
Urânio), são filhos da luz invisível, a qual quando condensada em diversos
graus, produz os elementos, e destes são feitas todas as coisas do mundo.
Quer dizer que, no plano físico, a luz é a causa e origem de todas as
matérias e forças do universo.
Ora, o que a luz é no plano físico, isto é Deus na ordem metafísica ou
espiritual do cosmos. A luz física é o grande símbolo desse simbolizado
metafísico.
Deus, segundo Aristóteles, é actuspurus(pura atividade); nele não há
passividade, ou, no dizer de João Evangelista, “Deus é luz, e nele não há
trevas”.
Ora, afirma o divino Mestre que ele é a luz do mundo, e que também
seus discípulos são a luz do mundo — quer dizer que a essência de Deus está
nele e neles.
A luz é a única coisa incapaz de ser contaminada, porque a sua vibração
é máxima, que não é afetada por nenhuma vibração inferior.
Todas as coisas do mundo são lucigênitas, e sua íntima essencia é luz
ou lucidez. E tanto mais incontaminável é uma coisa quanto mais lúcida.
A afirmação de que os discípulos do Cristo são luz, a mesma luz divina
do Cristo, é um veemente convite, quase um desafio, para a completa
lucificaçào da existência humana pela essência divina. A mente do homem é
como que um invólucro semitranslúcido, e o corpo um invólucro totalmente
opaco; no interior desses invólucros, porém, está a luz integral da divindade,
que se individualizou no homem como seu Eu central.
Toda a tarefa da espiritualização do homem consiste em que ele faça a
sua existência humana tão pura e luminosa como a sua essência divina —que
essencialize toda a sua existencia.
A lucidez ou luminosidade consiste na intensidade da nossa consciência
divina. No plano da ideologia dualista, em que se move quase toda a teologia e
filosofia do ocidente cristão, é difícil o homem convencer-se definitivamente de
que a íntima essência do seu próprio ser seja idêntica à essência divina.
A verdade, porém, é esta: o homem não está separado de Deus, como
não é idêntico a Deus, mas é distinto de Deus. Esse “ser distinto”, é por assim
dizer, equidistante do “ser separado” e do “ser idêntico”, equidistante do
dualismo transcendentista e do panteismo imanentista. Esse “ser distinto” de
Deus, baseado no “ser idêntico” pela essência e no “ser diferente” pela
existência faculta ao homem a divinização da sua vida, sem o levar ao absurdo
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da deificação, garantindo-lhe assim, a responsabilidade ética dos seus atos
conscientes e livres. Se o homem é moralmente bom, virtuoso, não é Deus que
é bom nele, mas ele mesmo; se o homem é moralmente mau, pecador, não é
Deus que é mau nele, mas éo homem. Quem pratica virtude ou comete pecado
é o homem existencial, e não o homem essencial, é o elemento humano nele e
não o elemento divino.
*
Diz, pois, o divino Mestre:
“Vós sois a luz do mundo... Não pode permanecer oculta uma cidade
edificada sobre um monte; nem se acende uma lampada e se põe debaixo do
alqueire, mas sim sobre o candelabro para que alumie a todos os que estão na
casa. Assim brilhe a vossa luz perante os homens para que vejam as vossas
boas obras —e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
O homem realmente cristificado não deve o cultar-se debaixo do alqueire
do anonimato, mas brilhar no candelabro da mais larga publicidade —deve ser
até como uma cidade ou um farol no alto de um monte, para que o mundo
inteiro veja os fulgores dessa luz e por ela oriente a sua vida.
A comparação, tanto com o candelabro como com o monte, diz
visibilidade, publicidade, porque o arauto do reino de Deus não é um “ocultista”,
mas sim um emissário da luz cósmica, ele mesmo é a “luz do mundo”, que é
expansiva por sua própria natureza.
É opinião assaz comum entre os inexperientes que o homem espiritual
deva evitar a publicidade e procurar o mais possível a obscuridade da solidão e
do anonimato, a fim de não perder a sua sacralidade e cair vítima da
profanidade. E, de fato, essa solidão e esse anonimato são necessários,
embora num sentido diferente daquele que os profanos supõem.
O ego físico-mental do homem comum deve desaparecer no anonimato,
e o seu Eu divino deve viver em profunda solidão. O homem espiritual deve ser
profundamente solitário com Deus, para que possa ser vastamente solidário
com todas as creaturas de Deus: assim não há perigo de profanação.
Ai daquele que perder a sua silenciosa sacralidade em Deus! De nada
lhe servirá a sua ruidosa sociabilidade com os homens e o mundo. A profana
sociedade tem de ser fecundada pela mística sacralidade para que resulte em
fecunda solidariedade.
Em suas relações com Deus é todo homem profundamente só e solitário;
ninguém o pode acompanhar a essas alturas e profundezas, envoltas em
eterno silêncio. Ninguém poderá saber jamais o que se passou entre a alma e
Deus, nas silenciosas alturas do Himalaia ou na taciturna vastidão do Saara
onde se dá esse encontro entre Deus e a alma humana. A experiência mística
se dá para além das barreiras do tempo e do espaço, no anonimato do “terceiro
céu”, e por isso é essencialmente intransferível e incomunicável; o que é dito à
alma, nessa luminosa escuridão, são “ditos indizíveis”.
Essa solidão vertical é necessária e não pode jamais ser substituida pela
sociedade horizontal. Esse santuário íntimo do homem é indevassável; nem as
relações mais íntimas, de pai a filho, de mãe e filha, de esposo a esposa, de
amigo a amigo, podem desvendar esse mistério. Onde não existe e persiste
essa solidão cósmica, esse profundo silêncio metafísico , esse indevassável
anonimato místico entre a alma e Deus, toda a publicidade é um perigo e uma
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profanação, é uma apostasia e uma infidelidade cometida contra a sacralidade
do Eu divino. O homem que não possua suficiente fidelidade a seu Eu divino
não deve arriscar-se à publicidade; não deve colocar-se no alto do candelabro
ou no cume do monte; é preferível que fique debaixo do alqueire ou no fundo
do vale, onde não há perigo de quedas catastróficas. Quanto mais alto o
homem está, mais profundamente poderá cair , se essa altura lhe der
vertigens.
O perigo da vertigem vem da ilusão de que essa sublime posição seja
obra do seu ego personal, vem do erro fatal de que a pessoa humana tenha
creado essa glória no alto do candelabro ou no cume do monte.
Duas vezes, diz um grande iniciado oriental, Brahman se sorri do
homem, da primeira vez quando o homem afirma: “Eu faço isto, eu faço aquilo”,
e da segunda vez quando o homem diz: “Eu vou morrer.
Ambas às vezes o homem confunde o seu verdadeiro Eu com o seu
pseudo-eu. Quando o homem pensa que é ele — seu ego personal — que fez
isto ou aquilo, e não o “pai dos céus” — o seu Eu divino; quando o homem
pensa que o seu eterno e imortal Eu divino vai morrer — então se revela
totalmente analfabeto no conhecimento de si mesmo.
Onde há ilusão há possibilidade de queda. Só quando a totalidade da
ilusão cedeu à totalidade da verdade é que há segurança absoluta.
Tem-se dito que a experiência mística torna o homem orgulhoso e
desprezador de seus semelhantes, os “profanos” lá embaixo. Quem assim
pensa e fala não sabe o que quer dizer experiência mística. Esse orgulho é
possível no caso da pseudomística, quando o homem atribui a sua
espiritualidade ao mérito de seu ego personal, ignorando que “todo o dom
perfeito vem de cima, do Pai das luzes”, e que a iluminação espiritual é obra da
graça divina. Mas, ninguém pode orgulhar-se daquilo que é de Deus, só se
pode envaidecer de algo que seja do seu ego.
Um jovem ocultista britânico perguntou a um grande místico da Índia se
achava que ele, o ocultista, poderia, um dia, chegar a fazer as “obras de
poder”, chamadas “milagres”, que Jesus fazia; ao que o iniciado lhe respondeu
calmamente: “Pode, sim, contanto que você não creia que é você que fez
essas obras.”
Quem atribui a seu pequeno ego humano qualquer obra espiritual está no
erro; o erro gera o orgulho, e o orgulho prepara a queda. Mas quem
compreendeu definitivamente que nenhum efeito espiritual pode provir de uma
causa material ou mental, esse está na verdade, e a verdade o libertará de
qualquer ilusão e perigo de queda.
Quando Jesus diz a seus discípulos que devem colocar a sua luz no
candelabro ou no alto do monte supõe ele que esses homens possam
ultrapassar o estágio da Ilusão sobre si mesmos e adquirir plena clareza e
certeza sobre a causa real de todos os efeitos espirituais.
Neste sentido, acrescenta ele: “assim brilhe a Vossa luz perante os
homens para que vejam as Vossas boas obras e glorifiquem a VOSSO Pai que
está nos céus” — que vejam os efeitos visíveis e glorifiquem a causa invisível
O ego humano, sendo apenas uma função do Eu divino, nada fez por si
mesmo, assim Como uma ferramenta não produz nada se não for usada pelo
homem.
Não existe, no mundo físico, nenhum elemento incontaminável exceto a
luz. Todas as outras coisas aceitam impureza. Quando, por exemplo lavamos
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com água pura um objeto impuro, a água se torna impura na mesma razão em
que purifica o objeto impuro; não pode neutralizar senão apenas transferir para
si as impurezas do Outro. A água é sumamente contaminável, ou “vulnerável”
Só a luz é incontaminável invulnerável; pode penetrar em todas as impurezas
do mundo sem se tornar impura.
É esta, sem dúvida a mais pura glória do homem crístíco, poder ser puro
no meio dos impuros e das impurezas em derredor; purificar as impurezas sem
se contaminar com essas impurezas É o máximo de invulnerabilidade.
Essa invulnerabilidade interior é pureza, pureza de coração.
Essa pureza da invulnerabilidade nasce Unicamente da experiência clara e
nítida da verdadeira natureza humana, que é essencialmente divina, e, como
Deus é puro e invulnerável, deve também a essência divina do homem
participar dessa pureza e invulnerabilidade.
A impureza consiste na ilusão de que o pequeno ego humano realize
coisas espirituais e possa produzir a redenção do homem, como pensava
aquele ego luciférico que tentou ao Cristo, no deserto. Egoísmo é impureza, e
tanto mais vulnerável é o homem quanto mais impuro, e tanto menos
vulnerável quanto mais puro de coração.
Essa pureza do coração nasce do conhecimento da verdade, ao passo
que a impureza nasce da ilusão.
Nenhum homem purificado pelo conhecimento da verdade sobre si
mesmo se orgulha da sua espiritualidade, mas agradece humildemente a Deus
por essa dádiva, porque sabe que não foi ele, seu ego físico-mental, que
produziu esse efeito, mas que foi a graça de Deus.
Nenhum homem purificado pelo conhecimento da verdade sobre si
mesmo se sente ofendido por atos, palavras ou opiniões injustas dos outros,
porque sabe que essas ofensas não atingem o seu verdadeiro Eu divino, senão
apenas o seu falso eu humano. Sabe que nenhum mal que outros lhe fazem
lhe faz mal, porque não o faz mau.
Se alguém ofende o paletó ou a blusa que visto, não ofende a mim,
porque eu não sou o paletó nem a blusa; isto é meu, mas não sou eu; é algo
que eu tenho, mas não o que eu sou. Da mesma forma, quem ofende o ego da
minha persona — que quer dizer “mascara” não ofende a mim, porque eu não
sou essa máscara da personalidade. Eu sou a minha divina individualidade,
que é absolutamente invulnerável pelo lado de fora, pelas adversidades da
natureza ou pelas perversidades dos homens! Quem me pode ofender é só
aquele que está do lado de dentro, isto é, o meu ego humano. Quem vulnera o
Eu é o ego; quem peca Contra a divina individualidade do Eu é a humana
personalidade do ego —Lúcifer versus Lógos!
Esta luz divina que em mim está deve ser colocada no candelabro Como
uma lâmpada, no alto do monte como um farol. Quem é remido do seu falso eu
pode ajudar outros para se redimirem também. Por isso, deve ele fazer brilhar
a sua luz, porque essa luz é a luz de Deus que brilha através do homem, como
através de um límpido cristal, no caso que o homem renuncie à opacidade do
seu egoísmo e aceite a transparência do amor.
*
O homem profano é impuro no meio dos impuros. O homem místico é
puro longe dos impuros.
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O homem crístico é puro no meio dos impuros, assim como a luz é pura
no meio das impurezas.
O impuro no meio dos impuros é, geralmente, ruidosamente social.
O puro longe dos impuros é silencíosamente Solitário.
O puro no meio dos impuros é serenamente solidário.
Por via de regra, para que o homem possa ser serenamente solidário com toda
a humanidade, solidamente crístico, é necessário que tenha passado pelo
estágio da solidão silenciosa, profundamente mística, longe da sociedade dos
impuros, ruidosamente profanos. E nesse período da mística solitária que o
homem lança os alicerces inabaláveis para o seu edifício crístico de
solidariedade universal. Uma vez que o homem ultrapassou certa fronteira
interna de experiência de Deus em si mesmo, está definitivamente imunizado
contra as velhas enfermidades do homem profano — cobiça, luxúria, vanglória,
egoísmo, desejo de aplausos e admiração, expectativa de resultados
palpáveis, medo de castigo ou esperança de prêmio — de todas essas
doenças convalesceu para sempre o homem que chegou ao conhecimento da
verdade sobre si mesmo, seu verdadeiro Eu divino, e não mais corre perigo de
recair nessas misérias, porque a verdade o libertou de toda a ilusão e
escravidão. Ele é livre e puro como a luz.
Mas, também, é suave e benévolo como a luz solar, em pleno dia, e não
violento e destruidor como a veemência de um raio em plena noite.
Só depois que o homem aprendeu por experiência íntima, no silencioso
abismo da mística, o que é Deus e o que é ele mesmo, é que ele pode atreverse
a ser de todas as creaturas de Deus sem deixar de ser de Deus, pode andar
por todos os mundos de Deus sem deixar de ser do Deus do mundo.
Ai do homem que quiser ser solidário com os homens antes de ser
solitário com Deus!
Ai do homem que se derramar pelas ruidosas periferias das creaturas
antes de estar firmemente alicerçado no silencioso centro do Creador!
Nenhum homem pode ser, por fora, de todas as creaturas de Deus sem
que seja, por dentro, só de Deus.
Nenhum homem pode ser plenamente crístico sem que seja
profundamente místico.
Só o contato direto com o Infinito é que torna o homem invulnerável no
meio dos finitos.
E essa invulnerabilidade crística nada tem de lúgubre, de pessimista, de
negativo, de triste — ela é toda leve e luminosa,amável e sorridente como sua
irmã gêmea, no mundo físico, a luz, que ésuavemente poderosa e
poderosamente suave.
Pela mística solidão com Deus adquire a alma uma espécie de castidade,
de intensa virgindade espiritual, que, depois, na Crística solidariedade com os
homens, se revela em fecunda maternidade, mãe de numerosos filhos de
Deus. Essas núpcias espirituais da alma crÍstica supÕem a pura virgindade da
alma mística.
No início de toda a vida nova está o sentimento natural do pudor. A vida
é um mistério tão sagrado que a sua transmissão deve ser velada em profunda
escuridão, oculta pelo véu invisível do pudor, tanto no plano biológico como no
plano espiritual da humanidade. A experiência mística é uma concepção
espiritual, que deve ser velada em mistério. É que se passa, na solidão
anônima, entre uma alma e Deus nunca ninguém o saberá, nem deve saber;
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está envolto em impenetrável pudor; só as conseqüências desse encontro
místico da alma com Deus é que podem ser reveladas, na vida diária do
homem cristificado.
A vida do homem cósmico é pura como a luz, na sua solidão mística — e
é fecunda como a luz, na sua solidariedade crística...
“Vós sois a luz do mundo”...
“Brilhe diante dos homens a vossa luz!”...
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