domingo, 31 de julho de 2011

A ÚNICA DÁDIVA

Conta-se que Simão Pedro estava cansado, depois de vinte dias junto do povo.
Banhara feridentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a
aprovação do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali...
Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras
amigas.
Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava ele só, diante das águas a refletir...
Aproxima-se alguém, contudo...
Por mais busque esconder-se, sente-se procurado.
É o próprio Cristo.
- Que fazes Pedro? – diz-lhe o Senhor.
- Penso Mestre.
E o diálogo prolongou-se.
- Estás triste?
- Muito triste.
- Por quê?
- Chamam-me ladrão.
- Mas se a consciência te não acusa, que tem isso?
-Sinto-me desditoso. Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo aos
necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí que furto, que exploro a confiança do povo...
Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo, entre os
doentes chegados de Jope... Alegou alguém, inconsideradamente, que surrupiei a maior parte...
Estou exausto Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviços na
barca...
- Pedro, que deste aos necessitados nestes últimos vinte dias?
- Moedas, túnicas, mantos, ungüentos, trigo, peixe...
- De onde chegaram as moedas?
- Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.
- As túnicas?
- Da casa de Zobalan, o curtidor.
- Os mantos?
- Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.
- Os ungüentos?
- Do lar de Zebedeu, que os fabrica.
- O trigo?
- Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós...
- E os peixes?
- Da nossa pesca.
- Então Pedro?
- Que devo entender Senhor?
- Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos em favor dos que
necessitam. A Divina Bondade conjuga as circunstancias e confia-nos de um modo ou de outro
os elementos que devamos movimentar nas obras do bem... Disseste servir em nome do amor...
- Sim Mestre...
- Recorda então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.
O discípulo entremostrando súbita renovação mental não respondeu.
Jesus abraçou-o e disse apenas:
- Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sitio e de mão em mão...
Ninguém pode dar em essência esse ou aquele patrimônio do mundo senão o próprio Criador,
que nos empresta os recursos por Ele gerados na Criação... E se algo, podemos dar de nos, o
amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amor...
O apostolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.
Em seguida puseram-se ambos a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia
seguinte.

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