quarta-feira, 31 de agosto de 2011

“Quem Quiser Construir Uma Torre... Empreender Uma Guerra - Renuncie a Tudo!”

As alegorias da construção da torre e da empresa bélica focalizam como talvez
nenhuma outra, a sapiência cósmica do Nazareno sapiência que se acha em flagrante
conflito com a tradicional sagacidade da inteligência humana.
Diz o Mestre que o homem que deseja construir uma torre elevada — nós
diríamos um arranha-céu - deve, antes de tudo, calcular criteriosamente se
possui os recursos necessários para ultimar a obra, para que não seja obrigado
a deixar o trabalho a meio caminho, com grande prejuízo próprio e zombaria
dos outros.
Diz ainda que um rei, em vésperas de declarar guerra a outro rei, deve
ponderar judiciosamente se com 10.000 soldados pode derrotar seu adversário

que dispõe de 20.000, do contrário, fará melhor em desistir do empreendimento
para que, a meio caminho das operações bélicas, não se veja obrigado a
solicitar convênios de armistício ou paz, com grande humilhação e prejuízo.
Até aqui, as duas alegorias nada parecem ter de extraordinário; temos
até a impressão de ouvir falar um homem do nosso século interessado na
construção de edifícios, ou um beligerante profano dotado de certo tino
estratégico e senso diplomático. E, com isto, nos sentimos quase reconciliados
com o Nazareno, considerando-o como um dos “nossos”
— quando, de improviso, ele passa do símbolo para o simbolizado, recorrendo
a uma conclusão diametralmente oposta aos nossos cálculos e à nossa
expectativa:
“Assim, vos digo eu, não pode ninguém ser discípulo meu quem não
renuncie a tudo quanto possui.
Segundo a nossa sagacidade humana teríamos esperado algo
totalmente diverso; teríamos esperado que o Mestre recomendasse ao
construtor da torre —digamos, em linguagem moderna, do arranha-céu — que
aumentasse os seus recursos para poder terminar a obra começada; e que
fizesse ver ao rei beligerante que duplicasse ou triplicasse o número de seus
soldados para derrotar seu inimigo. E, no plano material, é claro, teria sido esta
a solução. O simbolizado, porém, não se acha nesse plano material, e por isso
Jesus não recomendou nenhum desses dois expedientes. Em vez disto, passa
a uma conclusão diametralmente oposta às nossas expectativas: insiste em
que o homem, para conseguir os recursos necessários, abra mão de tudo
quanto possui! Quer dizer que a fraqueza está no possuir — e a força no
despossuir-se.
Os objetos materiais a que o homem está apegado representam a
medida da sua impotência — ao passo que a espontânea renúncia a esses
objetos é a bitola da sua potência, porque esse voluntário desapego das
quantidades materiais significa qualidade espiritual. Ora, sendo a quantidade
sinônimo de fraqueza, e a qualidade homônimo de força, éclaro que o apego a
objetos materiais é fraqueza e derrota — e a renúncia espontânea aos mesmos
éforça e garantia de vitória.
A filosofia qualitativa do Mestre, como se vê, é exatamente o contrário da
nossa política quantitativa: e o verdadeiro Cristianismo está na razão direta
daquela e na razão inversa desta.
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O “ter” é dos profanos — o “ser” é dos iniciados.
Quanto mais cresce o “ser” do homem mais decresce o seu desejo de ter
Não é, certamente, a simples ausência material desses objetos que dá
força ao homem; não é o simples fato de alguém ser Diógenes ou um mendigo
pelo desfavor das circunstâncias — mas é o fato da espontaneidade do
desapego, porque esse ato voluntário é filho de uma exuberante plenitude
espiritual, e essa plenitude é que é garantia de vitória ou melhor, ela mesma é
a grande vitória.
A vida espiritual é uma construção altíssima, uma intensa verticalização
rumo ao Infinito, obra gigantesca que necessita de um alicerce sólido para não
expor a futuros riscos a grande torre.
A vida espiritual é uma guerra sem tréguas contra poderosos adversários
como ilustra tão maravilhosamente o drama místico da Bhagavad Gita: o
príncipe Arjuna tem de lutar contra os usurpadores do seu trono espiritual, os
sentidos e o intelecto.
Os recursos para essa grande empresa aumentam na proporção direta
em que o homem der mais importância ao que ele é internamente e menos
importância ao que ele tem externamente. O “ser alguém” é, geralmente,
incompatível com o “ter algo”; por isso deve o homem diminuir aquilo que tem
na razão direta daquilo que ele é.
Só alguém que fosse firmemente estabelecido e consolidado no seu
eterno “ser” poderia, sem prejuízo, voltar ao “ter” temporário — mas onde estão
esses homens cósmicos, univérsicos, plenamente cristificados, totalmente
realizados?
A imensa maioria dos homens do nosso século mesmo quase dois
milênios após a vinda do Cristo — não podem ser e ter ao mesmo tempo; só
lhes resta a alternativa entre o ser e o ter: ou ter sem ser — ou ser sem ter.
Mahatma Gandhi foi convidado pelos homens do “ter” a derrotar a
potência material do Império Britânico com outra potência material — isto é,
derrotar um “ter” com outro “ter”; mas ele se recusou preferindo derrotar o “ter”
material do militarismo inglês com o “ser” espiritual que ele tinha em Deus. E
Gandhi o fez, de encontro a todas as expectativas dos que só viam força na
política do “ter”, e fraqueza na filosofia do “ser”.
É que “a loucura de Deus é mais sábia que os homens, e a fraqueza de
Deus é mais forte que os homens.” (São Paulo.)
“Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra!” (Jesus.)
Mansos são os que confiam no “ser” espiritual e desconfiam do “ter” material.
Aparentemente esses mansos são constantemente derrotados pelos violentos;
na realidade, porém, eles são sempre vitoriosos, aqui e por toda a parte,
embora os cegos e os míopes nada enxerguem dessa vitória, que se acha em
uma outra dimensão , inacessível ao alcance dos sentidos e do intelecto.
Internamente, os mansos são sempre vitoriosos, porque possuem o reino dos
céus; mas muitas vezes são vitoriosos, também, externamente, possuindo não
só o céu de dentro, senão, também, a terra de fora. Não há, certamente,
nenhum Alexandre Magno, Aníbal, Júlio César, Napoleão, Hitler ou Mussolini
que tão genuinamente possua “a terra”, isto é, as simpatias, o amor e a
admiração dos melhores dentre os homens, aqui na terra, como os possuem,
através dos séculos e milênios, Jesus, Francisco de Assis, Mahatma Gandhi e
todos os que preferiram a mansidão à violência, o amor ao ódio.
Esses, sim, construíram a sua torre espiritual pelo desapego e derrotaram
seus inimigos pelo amor.

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