Sabe, meu filho, até hoje não encontrei tempo para brincar com você.
Arranjei tempo para tudo, menos para vê-lo crescer. Nunca joguei dominó, xadrez ou empinei pipa com você.
Sabe, sou muito importante. Não tenho tempo para sentar no chão com você. Não, não tenho tempo!
Certa
vez você veio com o caderno da escola. Não liguei. Continuei lendo o
jornal. Afinal, os problemas internacionais são mais sérios que os de
minha casa.
Qual
a importância de eu saber se hoje você venceu ou perdeu a corrida na
escola? Amanhã, quando falar com os homens de negócio, o que eu preciso
saber é a cotação da bolsa e como anda a política internacional.
São
esses assuntos que me tornam importante aos olhos dos outros e que
permitem que eu cresça no mundo dos negócios, sempre mais.
Nunca vi o seu boletim, nem sei qual foi a sua primeira palavra.
Você entende... Não tenho tempo.
Eu não reparo em quase nada. Minha vida é muito corrida.
Sei que você se queixa, que sente falta de uma palavra minha, de um corre-corre, de um chute na sua bola.
Sei que você sente falta do meu abraço e do meu sorriso. Mas não tenho tempo.
Você entende, sou um homem muito importante.
Preciso dar atenção a muita gente, dependo delas.
Na verdade, sou um homem sem tempo.
Sei que você fica chateado, porque as poucas vezes que conversamos, só eu falo, e a maior parte é bronca.
Quero
silêncio! Quero sossego! E você tem a péssima mania de pular sobre a
gente, de agarrar, querer contar tudo que lhe acontece.
Filho, não tenho tempo para abraçá-lo para ficar com papo-furado com criança.
Filho, o que você entende de comunicação, cibernética, racionalismo?
Você
sabe o nome dos grandes economistas? Dos grandes investidores? Sabe
quais são as ações que estão em alta? Sabe qual é o melhor investimento a
ser feito?
Sabe, filho, não tenho tempo. Tenho muitos cursos a frequentar, muitas coisas a aprender.
Mas
o pior de tudo é que... Se você morrer agora, já, neste instante, eu
ficaria com um peso na consciência, porque até hoje não arrumei tempo
para brincar com você.
E
sei que nada iria preencher o vazio que sua ausência deixaria em nossa
casa. Oh, filho, por que eu não consigo arrumar tempo para estar com
você?
* * *
O
mundo sente falta de homens que sejam pais. De homens que, após o dia
das tarefas exaustivas, saibam ser doces e se debruçar sobre o berço do
pequeno que dorme e o acariciem.
Que
tenham ternura e cuidado suficientes para se erguer pela madrugada para
acompanhar o filho que segue para a viagem de férias com amigos.
O
mundo precisa de pais que saibam ouvir não somente os grandes
executivos e o tilintar das moedas. Mas, que, se fazendo pequenos, ouçam
com atenção a narrativa ofegante do garoto que chega da rua, da escola,
da creche.
Esses
pais formarão cidadãos nobres, homens dignos que se preocuparão com os
demais, porque desde cedo aprenderam que o amor e a dedicação são peças
indispensáveis para o mundo melhor que todos desejamos.
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