“Quem Dentre Vós Quiser Ser grande Seja o Servidor de Todos”

A consciência do homem da Era Atômica é a de “senhor do mundo”. Sentese
cada vez mais senhor e soberano do mundo, graças ao poder da sua
inteligência. Para ele, o mundo éapenas matéria-prima a que o homem tem de
dar forma. E o que o homem da ciência faz com o mundo infra-humano, isto
tenta fazer o homem da política com o mundo humano: para ele, o indivíduo
humano é material para algo. Todos os totalitários, tanto da direita, como da
esquerda, consideram o homem como um meio para alcançarem determinados
fins estatais ou políticos, ou, no dizer de Hegel, patrono de todos os totalitários,
o indivíduo é “espírito subjetivo”, ao passo que o Estado é “espírito objetivo”, e,
como o objetivo deve dominar sobre o subjetivo, segue-se que o indivíduo deve
ser absorvido pelo Estado.
Todos os totalitarismos radicam na idéia do super-homem nietzschiano,
isto é, do super-lúcifer, e o seu lema é como diz Nietzsche, der Wil/e zur Macbt,
a vontade de querer dominar. Essa consciência intelectual da soberania, essa
orgulhosa autonomia da personalidade do ego físico-mental é o característico
de todas as filosofias e políticas empírico-intelectuais. E é esta a razão última
por que a verdadeira Filosofia Univérsica, a Filosofia Cósmica do Evangelho,
não consegue dominar no seio da humanidade.
A primeira vista, é esse super-humanismo físico mental que confere real
grandeza e felicidade ao homem!
Na realidade, porém, é esta a mais funesta ilusão do homem de todos os
tempos.
Superar definitivamente essa ilusão secular e multimilenar — é esta a
missão central e suprema da verdadeira filosofia.
A verdadeira grandeza e felicidade do homem está no fato de ele se
saber e sentir servidor de algo superior a ele. Esta consciência de servidão e
de serviço voluntário enche o homem de uma profunda reverência e
sacralidade, e por isto de uma felicidade tão intensa e sólida que nenhum
homem, no trono da sua complacente soberania, jamais experimentou, nem
pode experimentar beatitude igual.
É a grandeza do SER, contrastando com a pequenez do TER.
Com efeito, o homem cósmico não se sente como alguém que faça
grandes coisas, mas como alguém através do qual grandes coisas são feitas,
se ele o permitir. Mas esse permitir” consiste precisamente na vontade de
querer servir. A vontade de querer dominar, ou ser servido, não permite que
grandes coisas sejam feitas através do homem, porque não estabelece um
ambiente de receptividade, um clima propício para o advento dessa grandeza.
Essa espontânea passividade, essa inteira obediência ao imperativo
categórico de uma Autoridade Cósmica, essa jubilosa subordinação a uma
Razão Transcendente — enchem o homem de uma tranqüilidade tão profunda
e de uma beatitude tão inebriante que todas as orgulhosas soberanias do
homem profano, ávido de dominar, empalidecem como ridículos brinquedos de
criança.
Quando o homem convalesce finalmente da sua longa doença de querer
ser servido, para a vigorosa saúde de querer servir, é então que, pela primeira
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vez, ele se sente plenamente adulto e maduro para o seu grande destino, aqui
no mundo e em todos os mundos.
Eu sou um servidor incondicional do misterioso Espírito gue rege o
Universo! — que fascinante consciência de poder e de dignidade!
Homem realmente penetrado desta consciência nunca mais poderá
duvidar da sua imortalidade, porque a vontade de servir que ele tem hoje e aqui
o acompanhará necessariamente através de todos os mundos e de todos os
tempos. Pode perecer a pequena vontade ou veleidade de querer ser servido
— mas nunca pode perecer a grande vontade de querer servir.
Um espontâneo e jubiloso querer-servir éimortalidade.
A filosofia empírico-intelectualista do Ocidente parece enxergar grandeza
quase exclusivamente na violência, na força bruta, no fato de o homem
dominar, em submeter certas energias da natureza a seu domínio — mas isto
não desmente a verdade de que os maiores homens da história, os homens
eternos no tempo e no espaço — desde Buda e LaoTse até Jesus, Francisco
de Assis, Tolstoi, Gandhi, Schweitzer e outros — tenham encontrado a
suprema grandeza e a plenitude da felicidade em servirem voluntariamente ao
Poder Infinito através de seus representantes finitos.
O que o homem faz quando quer dominar éatividade de seu ego
consciente — e o que este faz e pode fazer é sempre pequeno e violento.
Mas o que é feito através do homem quando ele quer servir é atividade
do seu Eu superconsciente e o que este faz é sempre grande e suave,
dinamicamente suave. É por essa mansidão dinâmica que ele “possui a terra”,
porque se possui a si mesmo. E quem se possui plenamente, sem ser
possuído por nada, esse possui todas as coisas.
A princípio, esse querer-servir parece fraqueza, pequenez,
empobrecimento — até que o homem descobre, finalmente, que esse quererservir
égrandeza, força e riqueza.
De maneira que a verdadeira e única grandeza nasce espontaneamente
do querer-servir, espontânea e jubilosamente.
“Quem dentre vós quiser ser grande seja o servidor de todos!”
*
Mas, para que o homem possa compreender tão estranha sabedoria,
diametralmente oposta a todos os padrões da vida atual, deve ele ter
ultrapassado uma fronteira dentro de si mesmo, fronteira de que o homem
profano nada sabe, ou na qual apenas crê vagamente. E este não saber é a
sua pequenez e a sua infelicidade.
Com o cruzamento real dessa misteriosa fronteira dentro de si mesmo,
entra o homem em uma vida nova, tão rica e abundante que as mais
deslumbrantes realidades da sua vida anterior lhe parecem extrema pobreza,
ignorância e infelicidade.
Quando o homem desce ao ínfimo nadir de uma voluntária servidão e
jubiloso serviço — então é que ele sobe ao supremo zênite da verdadeira
soberania.
Só é realmente senhor aquele que voluntariamente se faz servidor.
E então compreenderá ele a verdade oculta das palavras do Mestre: “Há
mais felicidade em dar do que em receber”.
“Quem dentre vós quiser ser grande seja o servidor de todos”.

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