Uma noite, porém, o Dr. Antônio Batista Pereira, genro de Rui Barbosa e distinto historiador, presente à reunião, notou certa inquietação do cálice, pelo que resolveu tomar assento à mesa. Colocando também a ponta do seu dedo sobre o cálice, este, num ritmo acelerado, passou a indicar ora uma, ora outra das letras do alfabeto estampado em um papel cartonado, de forma circular. A senhorita, que as ia anotando, declarava nada entender do que estava sendo escrito, mas que o nome de Rui por várias vezes era mencionado.
Terminada a transmissão, verificou-se que a mensagem havia sido ditada em inglês, e que algum Espírito, sem dúvida, a endereçava ao ilustre escritor. Estarrecimento geral. Batista Pereira opinou que se devia levá-la imediatamente a Rui Barbosa. Batem, então, à porta de seu quarto, e o Conselheiro, que havia se recolhido muito cedo, levanta-se e vem receber o papel. Após a leitura, emocionado, falou:
"É o estilo dele, o estilo perfeito. E o assunto! O mesmo que conversamos em nossa despedida em Haia. Mas, como é possível... Trata-se de William Stead, o meu amigo e grande jornalista inglês, cuja morte os jornais noticiam, hoje, no afundamento do navio "Titanic". E ele acreditava nessas histórias de Espiritismo".
Esse interessante fato foi igualmente relatado pelo então Deputado Prof. Dr. José Carlos de Ataliba Nogueira, católico praticante, em sua conferência "Rui Barbosa e Campinas", pronunciada a 29 de outubro de 1949 em Campinas - SP, e publicada no jornal "Diário do Povo", daquela mesma cidade, no dia 6 de novembro de 1949.
QUEM FOI RUI BARBOSA
Rui Barbosa (05/11/1849 - 01/03/1923) foi um dos mais eminentes intelectuais brasileiros. Jurisconsulto, estadista, poliglota, atuou também como jornalista. Sua biblioteca possuía cerca de cinquenta mil livros que, após sua desencarnação, foram adquiridos pelo governo e transformados no acervo da fundação que leva o seu nome, hoje com cerca de 35 mil volumes, em Botafogo, no Rio de Janeiro. O confrade Washington Luiz Nogueira Fernandes, aproveitando uma passagem pelo Rio de Janeiro em 1997, fez uma pesquisa na biblioteca de Rui Barbosa. Constatou mais de 40 livros espíritas e muitos com assinalações à caneta, demonstrando que ele não somente leu, mas efetivamente estudou o Espiritismo. Em algumas obras, existem dedicatórias pessoais.
Rui tinha amigos Espíritas, como Guillon Ribeiro (1875-1943), que foi Presidente da FEB (1920-1921; 1930-1943). Ruy Barbosa, em seu discurso pronunciado na sessão de 14 de outubro de 1903 (Anais do Senado Federal, vol. 11, pág. 717), em se referindo ao seu trabalho de revisão do Projeto do Código Civil, trabalho monumental que resultou na Réplica, e que lhe imortalizou o nome como filólogo e purista da língua, disse:
"Devo, entretanto, Senhor Presidente, desempenhar-me de um dever de consciência - registrar e agradecer, da tribuna do Senado, a colaboração preciosa do Senhor Doutor Guillon Ribeiro, que me acompanhou nesse trabalho com a maior inteligência, não limitando os seus serviços à parte material do comum dos revisores, mas, muitas vezes, suprindo até a desatenções e negligências minhas".
Além dessas obras catalogadas na referência Espiritismo, vamos encontrar muitas outras de autores Espíritas, nas referências Religião e Ciência, Espiritualismo e Metapsíquica, a saber:
Crookes, William. Discours récents sur les recherches psychiques (Discursos recentes sobre as pesquisas psíquicas), Paris, 1903;
Flammarion, Camille. La mort et son mystère (A morte e seu mistério), Paris, 1920; Lodge, Sir Oliver. The survival of man, London (A sobrevivência do homem), 1910; Rochas d'Aiglun, Albert de. Les vies successives (As vidas sucessivas), Paris, 1911; Rochas d'Aiglun, Albert de. L'extériorisation de la sensibilité (A exteriorização da Sensibilidade), Paris, 1899;
Lombroso, Cesare. Inchiesta sulla transmissione del pensero (Investigação sobre a transmissão do pensamento), Torino, 1891.
QUEM FOI WILLIAM STEAD
Stead nasceu em Embleton, Nothumberland, Inglaterra, no dia 5 de julho de 1849, e desencarnou tragicamente na catástrofe ocorrida com o transatlântico "Titanic", na noite de 14 para 15 de abril de 1912. No início da década de 1910, nada era feito no sentido de fazer reportagens por ocasião dos grandes acontecimentos. Um notável jornalista, William Thomas Stead, teve a feliz ideia de começar esse gênero de publicidade, o que alcançou grande repercussão na Inglaterra. Por ocasião do lançamento do "Titanic", o maior navio do mundo, o qual era reputado por insubmersível, tais as inovações nele introduzidas e o seu sistema construtivo, esse famoso homem de imprensa foi convidado para fazer a reportagem de sua viagem inaugural, dando cobertura jornalística a tudo quanto acontecesse a bordo.
Sucedeu, no entanto, que o navio bateu de cheio em enormes geleiras e, numa tentativa de resgate, ordenada pelo comandante, enorme rasgo abriu-se em seu casco, ocasionando o seu naufrágio na noite de 14 para 15 de abril de 1912.
Entre as 1.503 vítimas, estava William Thomas Stead. O infausto acontecimento encheu o mundo de consternação e o Espiritismo ficou privado do concurso valioso de um destacado homem de imprensa, homem esse que estava vivamente empenhado em divulgar as grandes verdades que havia constatado em seus trabalhos de pesquisa no campo da fenomenologia mediúnica.
LUTA EM FAVOR DO PACIFISMO
No ano de 1890, Stead fundou o veículo noticioso "Review of Rewies" e, nos anos de 1893 e 1894, lançou numerosas revistas do mesmo gênero, nos Estados Unidos e na Austrália. De 1893 a 1897, dirigiu o órgão espiritualista "Borderland". No ano de 1898, encetou uma visita à Rússia, onde foi recebido pelo Czar, dando então início a uma intensa luta em favor do pacifismo mundial, ideal que passou a defender com todo o entusiasmo através da palavra escrita e falada.
No decurso da Conferência de Paz, realizada em Haia (Holanda) no ano de 1899, Stead teve a oportunidade de visitar aquela cidade, dando início logo após, na Inglaterra, a acirradas campanhas contra a guerra sul-africana, tendo em decorrência contraído várias inimizades.
Trabalhou árdua e valorosamente no sentido de se estabelecer um tratado entre a Alemanha e a Inglaterra, propugnando para a concretização de uma Segunda Conferência de Paz, realizada oito anos depois novamente na cidade de Haia, onde, na qualidade de correspondente, publicou o "Correio da Conferência de Paz". Era notável a facilidade com que escrevia seus artigos, os quais invariavelmente portavam cunho sensacionalista.
O "Rei dos Jornalistas", e mais do que isso - o "Imperador", esse foi o título elogioso que recebeu do jornal "Le Cri de Paris" em janeiro de 1907, quatro meses antes da realização da Segunda Conferência de Haia, na qual Rui Barbosa foi um de seus mais destacados nomes.
CONVICÇÃO ESPÍRITA
Quando Stead estava no apogeu de sua carreira de escritor e jornalista, alguns anos antes de sua desencarnação, deixou cheios de admiração a Inglaterra e o mundo científico em geral, com a sua confissão de que estava plenamente convicto da existência do mundo dos espíritos. Isso pelo fato de ter recebido, através de sua própria mediunidade, uma série de comunicações espíritas atribuídas ao espírito de Júlia, as quais foram posteriormente publicadas num livro que alcançou grande repercussão, denominado "Cartas de Júlia". Dizia ele então:
"Todas as ‘Cartas de Júlia' foram recebidas por mim mesmo. Estando sozinho, sentado e com ânimo tranquilo, colocava conscientemente minha mão direita, na qual tinha uma caneta, à disposição de Júlia e observava com vivo interesse tudo quanto ela escrevia. Posso admitir, conforme afirmam meus detratores, que as ‘Cartas de Júlia' tenham sido simplesmente escritas pelo meu ‘eu' subconsciente; isso não rebaixaria em nada a verdade, nem diminuiria a força dessa eloquente e comovedora prova em favor da vida superior. Quanto desejaria que o meu ‘eu' consciente pudesse escrever tão bem!". No ano de 1895, respondendo a uma indagação do periódico "Morning Advertiser", de Nova Iorque, que lhe perguntava por que acreditava na imortalidade, ele assim respondeu:
"Só o Eterno pode afirmar ou negar a imortalidade. Se vos compreendo bem, não se trata aqui da imortalidade da alma, mas sim da persistência da entidade individual, após a dissolução do corpo por cujo intermédio essa entidade se manifestava durante a sua vida terrena. Aí está uma questão muito mais simples, a que posso responder sem hesitar e sem receio. Eu não seria verdadeiro se dissesse que creio na persistência do indivíduo após a morte, por ter observado fenômenos ditos espíritas; muito tempo antes eu aceitava esse fato. Submeti, depois, a minha crença à prova de uma demonstração experimental. E se outrora dizia: eu creio, hoje digo: eu sei. Não há uma grande diferença?".
Por Gerson Simões Monteiro | |
18 de setembro de 2011 |
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