quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

SURPRESA

Se alguém de outra vida pudesse materializar-se aos meus olhos – dizia Germano Parreira,
em plena sessão no próprio lar -, decerto que a minha fé seria maior... Um ser de outro
planeta que me obrigasse a pensar... Tanta gente se reporta a visões
dessa natureza! Entretanto, semelhantes aparições não passam do cérebro doentio que as
imagina. Quero algo de evidente e palpável. Creio estarmos no tempo da elucidação
positiva...
Ouvindo-o, o Irmão Bernardo, mentor espiritual da reunião, que senhoreava as energias
mediúnicas, aventou, sorridente:
- Você deseja, então, espetacular manifestação de Cima... Alguém que caia das nuvens à
feição de um paraquedista do Espaço, em trajes fantasmagóricos, usando idioma
incompreensível... um itinerante de outras constelações, cuja inopinada presença talvez
ocasionasse enorme porção de mal, ao invés do bem que deveria trazer...
-Não, não é tanta a exigência – aduziu Parreira, desapontado. – Bastaria um ser
materializado na forma humana, sem a descida visível do firmamento. Não será preciso que
essa ou aquela entidade se converta em bólide para acentuar-me a convicção. Poderia surgir
em nossa intimidade doméstica, sem qualquer passe de mágica, revelando-se no lar fechado
em que antes não existia, a mostra-se igual a nós outros, sendo, contudo, estranhos ao
nosso conhecimento...
-No entanto, sabe você que toda concessão envolve deveres justos. Um Espírito, para
materializar-se na Terra, solicita meios e condições. Imaginemos que a iniciativa
transformasse o hóspede suspirado numa criatura doente e débil, requisitando cuidado, até
que pudesse exprimir-se com segurança. Incumbir-se-ia você de auxiliar o estrangeiro,
acalentando-o com tolerância e bondade, até que venha a revelar-se de todo? Estaria
disposto a sofrer-lhe as reclamações, e as necessidades, até que se externe, robusto e
forte?
- Oh! isso mesmo. Perfeitamente!... – gritou Parreira, maravilhado. – Contemplar um Espírito
assim, de modo insofismável, sem que eu lhe explique a existência no mecanismo oculto,
consolidaria, sem dúvida, a riqueza de minha fé na imortalidade. Isso é tudo, tudo...
Bernardo sorriu, filosoficamente, e acrescentou:
- Mas, Parreira, isso é acontecimento de todo dia e tal manifestação é recente sob o teto que
nos acolhe. Ainda agora, na quinzena passada, você recebeu semelhante bênção, asilando
no próprio lar um viajante de outras esferas, com a obrigação de ajudá-lo até que se enuncie
sem vacilação de qualquer espécie... Esse gênio bondoso e amigo corporificou-se quase em
seus braços. Bateu-lhe à porta, que você abriu generosamente. Entrou. Descansou.
Permaneceu. E, ainda agora, ligado a você, espera por seu carinho e devotamento, a fim de
atender plenamente à própria tarefa...
-Como assim? Como assim? – irrompeu Germano, incrédulo. – Nada vi, nada sei não pode
ser...
Mas o Benfeitor Espiritual, controlando o médium, ergueu-se a passo firme e, desmandando
aposento próximo, de lá regressou, trazendo leve fardo.
Ante a surpresa dos circunstantes, Bernardo depositou-o com respeitosa ternura no regaço
do amigo que ainda argumentava.
Parreira desenovelou curiosamente o pequenino volume e, entre aflito e espantado,
encontrou, em plácido sono de recém-nato, corpo miúdo e quente do próprio filho...

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