A civilização dita cristã no Ocidente ainda não compreendeu que Jesus é o exemplo da centralidade mais admirável que se conhece. Em todo o Seu ministério jamais houve lugar para a exclusão, para a exceção. Ele sempre Se caracterizou pela proposta de solidariedade humana e pela igualdade dos direitos humanos.
A Sua mensagem renovadora tem uma direção certa: a transformação moral da criatura para melhor, sempre e incessantemente. Nesse sentido, ninguém se pode considerar indene ao crescimento interior ou excluído da oportunidade.
Jamais o Mestre preferiu aquele que tem mais ou que pensa ser mais, preterindo aqueloutros detestados, marginalizados, esquecidos.
À semelhança dos profetas antigos Ele veio resgatar os mais sofridos, os mais perseguidos, os mais desesperados. Não há lugar em Sua palavra para qualquer tipo de preconceito. Ele próprio pertenceu a um lugar de excluídos, conforme anotou João no comentário feito por Natanael, quando convidado por Filipe para conhecê-lO: - Pode vir alguma coisa boa de Nazaré? (Jo. I-46).
Não poucas vezes Ele sofreu o opróbrio, a humilhação, o acinte, a perseguição sistemática.
Conhecendo, portanto, a hediondez da perversidade e injustiça humanas, Ele colocou no centro aqueles que são empurrados para a periferia, para a marginalidade, fazendo com eles um pacto de amor. É esse amor que viceja em toda a mensagem neotestamentária, renovando as esperanças do mundo e apontando um rumo de segurança onde predomine a vera fraternidade.
Os indivíduos que se apresentam como sendo mais poderosos, mais possuidores, também não foram rejeitados, porquanto Ele sabia que esses, igualmente são infelizes, refugiando-se no terror, na opressão, na vingança, na exploração do seu próximo, através de cujos artifícios se sentem seguros nos tronos de mentira em que se sentam.
Os opressores, os perseguidores, são pessoas que perderam a direção de si mesmos, tornando os corações empedrados, por não se permitirem a doçura que tanto desejam e de que sentem irresistível falta. Invejam-na em quem a tem, e por isso, através da projeção do seu conflito, perseguem-no implacavelmente, com violência, como se a houvessem roubado do seu sacrário íntimo.
Jesus respeitou todas as vidas, concedendo o direito de cidadania igualitária a todos quantos adotassem o reino de Deus e se empenhassem pelo conseguir.
Os modernos cristãos, conforme ocorreu com muitos outros no passado, não compreenderam esse ensinamento, que registraram no cérebro, mas não insculpiram nos sentimentos. São capazes de abordar o tema da solidariedade com lágrimas, no entanto, não saem do pedestal em que se encastelam, para proporcionar centralidade ao seu próximo, arrancando-o da periferia marginalizadora.
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Não obstante as gloriosas conquistas culturais, científicas e tecnológicas, o ser humano ainda mantém o seu próximo em muitos porões de exclusão, que são habitados pelos que se fizeram ou foram tornados marginais: crianças que se prostituem por imposição da crueldade moral, geradora da miséria socioeconômica, pela escravidão do indivíduo que não tem escolha e perdeu a liberdade de decisão e de movimento, e os que vivem nas ruas do mundo, desconsiderados e sem quaisquer direitos, perfeitamente descartáveis pela sociedade hedonista.
Suas dores, suas necessidades são propositalmente ignoradas, e não raro, tidos como lixo social, são assassinados, exilados, expulsos dos seus guetos, porque enxovalham a sociedade que os excluiu.
Trata-se de hediondez da modernidade, que somente pensa no crescimento horizontal do seu poder e da sua libertinagem, esquecendo-se do ser humano em si mesmo, que é o grande investimento da vida.
Nesse lixo social, encontram-se também muitas joias perdidas: homens e mulheres de bem e de valor, que derraparam nas ruelas da existência e não tiveram resistência para enfrentar e vencer as vicissitudes, enveredando pelo alcoolismo, pela toxicomania, pela perversão de conduta nos vícios sexuais, vivendo nos escuros porões que lhes servem de refúgio.
Perdida a dignidade humana, eles relutam para permanecer nesses sítios de vergonha e sombras, sendo denominados como criminosos, mesmo que crime algum hajam cometido.
Rotulados de lixo, criminosos, excluídos, gentalha, perdem a identidade e não se encorajam a recuperar a sua humanidade, que lhes foi tirada e nunca devolvida.
Afirma-se que esses irmãos da agonia se recusam a sair dos porões onde se encontram, e que, ao serem retirados, fogem de retorno aos mesmos lugares onde se entregam aos disparates da vergonha moral. Talvez tenham razão com a exceção, jamais com a totalidade.
Ocorre, muitas vezes, que se encontram enfermos, sem autoconfiança, sem nenhuma autoestima, e autopunem-se, após haverem sido torturados, estuprados, pervertidos. A sua terapia de recuperação é lenta, quanto o foi a imposição da degradação, da perda de sentido existencial.
É impressionante observar como poucos cristãos dão-se conta do que está ocorrendo a sua volta e poderá atingir o seu castelo de refúgio e de ilusão.
Mesmo quando vêm à superfície as denúncias contra a dignidade violada do seu próximo e ele aparece como fantasma apavorante, esses cristãos cerram os olhos para não o ver e tapam os ouvidos, a fim de não escutar o clamor da sua voz, porque isso os perturba e inquieta, tirando-lhes alguns momentos de sono ou de excesso de alimentos.
...E confessam a crença em Deus, a Quem dizem amar, em Jesus, que tomam por modelo teórico, mas não lhe seguem os ensinamentos libertadores.
Perfumados e bem vestidos evitam o contato com eles, nunca se permitem ir aos porões, temem-nos e abandonam-nos, quando os deveriam visitar e amar, procurando conviver com eles, trazendo-os à luz do dia da compreensão de todos.
Eles ficam nos seus porões e os cristãos nos seus esconderijos de luxo e de proteção com medo deles, aqueles a quem Jesus procurou trazer para o centro, retirando-os do abismo escuro em que se refugiavam.
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Felizmente, nem todos os cristãos se escondem do seu próximo retido nos porões. Eles denunciam a sua existência, tentam arrancá-los dos sórdidos lugares onde jazem, esquecidos e perseguidos, recordando-se de Jesus, e imitando-0.
Raia uma luz na treva em favor dos excluídos, ainda muito débil é certo, mas que se expandirá como o rosto brilhante da manhã após a noite renitente, que vai devorada pela claridade.
O novo Cristianismo propõe que se acabem com os porões, que se recicle o lixo social mediante os mecanismos do amor, que se traga para o centro da comunidade todos aqueles que têm sido excluídos, de forma que a sociedade se torne verdadeiramente digna do Mestre e Senhor, que é Modelo e Guia para todos através dos evos...
Joanna de Ângelis
Psicografia de Divaldo Pereira Franco, no dia 13 de julho de 2000, em Paramirim, Bahia.
Publicada no Jornal Mundo Espírita de fevereiro de 2001.
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