sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Big Brother - O que não se vê

O reality show, que mobiliza telespectadores e polariza opiniões, traz à tona os padrões vigentes na nossa sociedade e realça características humanas milenares

Mais uma vez (a décima primeira), os telespectadores podem assistir as cenas reais de atores não profissionais do Big Brother Brasil, enquanto a Globo dá férias para seu elenco e recicla suas atrações. Intrigas, armações, fofocas, brigas, casos amorosos saem dos filmes e novelas e são vividos em tempo real.

Uma crítica evidente é a de que se trata de um circo cuja atração principal é a ba­nalidade. O interesse do público mede-se pela alta audiência. Esta é a realidade visível, aquela que poucos de nós contestariam. No entanto, há algo mais para se ver que nem sempre é percebido.

O pensamento espírita não para na superfície, e ajuda a analisar as implicações sociais, psicológicas e espirituais de todo fenômeno. Nesse aspecto, compreender o interesse do público e a dinâmica dos participantes do reality show é um exercício pro­dutivo.


Sucesso de público


O programa é um retrato dos padrões vigentes em nossa sociedade, segundo os quais, a conquista de coisas materiais e de dinheiro é o grande objetivo da existência, o que, segundo alguns, torna lícito mentir, enganar, trair, articular-se a favor de uns e contra outros, tudo para alcançar o resultado almejado. Porque, afinal de contas, não se trata apenas de ser “si mesmo”, mas de adotar uma forma de agir que conquiste a simpatia do telespectador e garanta a permanência na competição. Visto por esse lado, a crueldade – de que falaremos a seguir – não é exclusividade do BBB, mas reflete a desumanidade social de nossa civilização!

Marion Minerbo, em seu artigo “Big Brother Brasil, a gladiatura pós-moderna”, publicado em março de 2007 no portal de revistas da Universidade de São Paulo* traça um interessante paralelo entre a arena do BBB e os espetáculos circenses da Roma Antiga. Ela começa lembrando que a referência ao “paredão” está associada à morte – no caso, a execução de um condenado. Explica a articulista: “Como os participantes do BBB, os gladiadores também lutavam entre si até o fim. Quando o gladiador vitorioso encurralava o oponente, convocava o voto popular, que podia ser referendado pelo imperador: polegar para cima, vida; polegar para baixo, morte. A vida do perdedor podia ser poupada, se o público o considerasse um lutador valoroso e digno. Em caso contrário, ‘paredão’”.

O povo descarrega a insatisfação da vida por meio do circo, independente de época. Pontua a articulista: “Como na gladiatura, o reality show oferece carne humana para nosso repasto”. A luta entre os gladiadores era real, situações de combate, ferimentos e morte não eram simulações, o que aumentava a emoção do público hipnotizado pelas emoções intensas que, assim, desviava sua atenção dos seus verdadeiros problemas, bem como dos desmandos da política. Alguma semelhança com o que ocorre hoje? Parece inegável que a história se repete.



Passam as vidas, ficam os hábitos

Ao comparar com o romance de Chico Xavier e Emmanuel, Há 2000 anos..., vemos que o atual espetáculo televisivo não contém a mesma violência sanguinária do circo romano: “Incluindo-se a considerável assistência que se aglomerava nas colinas, quase meio milhão de pessoas vibrava em aplausos ensurdecedores e espantosos, enquanto duas centenas de criaturas humanas tombavam espostejadas...” – narra o autor espiritual. No reality show, porém, existe o fracasso financeiro de perder um milhão, o equivalente social de “perder a vida”, em nossos dias. Analisando segundo a filosofia espírita, não se trata apenas de repetição histórica, mas de padrões de emoção e comportamento presentes em nós desde o início da civilização.

Hoje o meio milhão descrito por Emmanuel multiplica-se muitas vezes pela audiência da televisão; os combates são mais psicológicos que físicos; mas é inegável que algo em nós ainda aplaude a vitória e torce pela derrota, julga, aprova ou condena, e sentencia! O Big Brother evidencia a agonia do mundo velho, mergulhado em orgulho e egoísmo, alvo da transformação almejada pelo espiritismo e a sua própria razão de ser: a regeneração da Humanidade.

Isso dá o que pensar, em termos de proposta de evolução espiritual, se acreditamos na progressão intelecto-moral infinita. Mas, ao mesmo tempo, escancara o quanto ainda somos tão parecidos conosco mesmos, na versão de vinte séculos atrás.


*Big Brother Brasil, a gladiatura pós-moderna.



RITA FOELKER é co-fundadora do grupo e projeto Filosofia Espírita para Crianças. É mestranda em Filosofia e escritora com 50 livros publicados, entre infantis e adultos, mediúnicos e próprios. Seu mais recente lançamento é Calunga definitivo.


Texto publicado originalmente na Revista Universo Espírita, edição 63, março de 2009.
http://www.correiofraterno.com.br/nossas-secoes/24-ensaios/516-big-brother-o-que-nao-se-ve-

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