sábado, 21 de abril de 2012

Encontro em Hollywood

Caminhávamos, alguns amigos, admirando
a paisagem do Wilshire Boulevard, em Hollywood, quando
fizemos parada, ante a serenidade do Memoriam
Park Cemetery, entre o nosso caminho e os jardins de
Glendon Avenue.
A formosa mansão dos mortos mostrava grande
movimentação de Espíritos libertos da experiência física,
e entramos.
Tudo, no interior, tranqüilidade e alegria.
Os túmulos simples pareciam monumentos erguidos
à paz, induzindo à oração. Entre as árvores que
a primavera pintara de verde novo, numerosas entidades
iam e vinham, muitas delas escoradas umas nas outras, àfeição de convalescentes, sustentadas por enfermeiros

em pátio de hospital agradável e extenso.
Numa esquina que se alteava com o terreno,
duas laranjeiras ornamentais guardavam o acesso para o
interior de pequena construção que hospeda as cinzas
de muitas personalidades que demandaram o Além, sob
o apreço do mundo. A um canto, li a inscrição: “Marilyn
Monroe — 1926-1962”. Surpreendido, perguntei
a Clinton, um dos amigos que nos acompanhavam:
— Estão aqui os restos de Marilyn, a estrela do
cinema, cuja história chegou até mesmo ao conhecimento
de nós outros, os desencarnados de longo tempo
no mundo espiritual?
— Sim — respondeu ele, e acentuou com expressão
significativa —, não se detenha, porém, a tatear-lhe a
legenda mortuária... Ela está viva e você pode encontrá-
-la, aqui e agora...
— Como?
O amigo indicou frondoso olmo chinês, cuja
galharia compõe esmeraldino refúgio no largo recinto,
e falou:
— Ei-la que descansa, decerto em visita de reconforto
e reminiscência...
A poucos passos de nós, uma jovem desencarnada,
mas ainda evidentemente enferma, repousava a cabeleira
loura no colo de simpática senhora que a tutelava.
Marilyn Monroe, pois era ela, exibia a face desfigurada e os olhos tristes. Informados de que nos seria lícito
abordá-la, para alguns momentos de conversa, aproximamo-
nos, respeitosos.
Clinton fez a apresentação e aduzi:
— Sou um amigo do Brasil que deseja ouvi-la.
— Um brasileiro a procurar-me, depois da morte?
— Sim, e por que não? — acrescentei — a sua
experiência pessoal interessa a milhões de pessoas no
mundo inteiro...
E o diálogo prosseguiu:
— Uma experiência fracassada...
— Uma lição talvez.
— Em que lhe poderia ser útil?
— A sua vida influenciou muitas vidas e estimaríamos
receber ainda que fosse um pequeno recado
de sua parte para aqueles que lhe admiraram os filmes e
que lhe recordam no mundo a presença marcante...
— Quem gostaria de acolher um grito de dor?
— A dor instrui...
— Fui mulher como tantas outras e não tive
tempo e nem disposição para cogitar de filosofia.
— Mas fale mesmo assim...
— Bem, diga então às mulheres que não se iludam
a respeito de beleza e fortuna, emancipação e sucesso...
Isso dá popularidade e a popularidade é um trapézio no qual raras criaturas conseguem dar espetáculos de grandeza
moral, incessantemente, no circo do cotidiano.
— Admite, desse modo, que a mulher deve permanecer
no lar, de maneira exclusiva?
— Não tanto. O lar é uma instituição que pertence
à responsabilidade tanto da mulher quanto do
homem. Quero dizer que a mulher lutou durante séculos
para obter a liberdade... Agora que a possui nas nações
progressistas, é necessário aprender a controlá-la. A liberdade
é um bem que reclama senso de administração,
como acontece ao poder, ao dinheiro, à inteligência...
Pensei alguns momentos na fama daquela jovem
que se apresentara à Terra inteira, dali mesmo, em
Hollywood, e ajuntei:
— Miss Monroe, quando se refere à liberdade da
mulher, você quer mencionar a liberdade do sexo?
— Especialmente.
— Por quê?
— Concorrendo sem qualquer obstáculo ao trabalho
do homem, a mulher, de modo geral, se julga
com direito a qualquer tipo de experiência e, com isso,
na maioria das vezes, compromete as bases da vida. Agora
que regressei à Espiritualidade, compreendo que a
reencarnação é uma escola com muita dificuldade de
funcionar para o bem, toda vez que a mulher foge à
obrigação de amar, nos filhos, a edificação moral a que
é chamada.
— Deseja dizer que o sexo...
— Pode ser comparado à porta da vida terrestre,
canal de renascimento e renovação, capaz de ser guiado
para a luz ou para as trevas, conforme o rumo que se
lhe dê.
— Ser-lhe-ia possível clarear um pouco mais este
assunto?
— Não tenho expressões para falar sobre isso
com o esclarecimento necessário; no entanto, proponho-
-me a afirmar que o sexo é uma espécie de caminho sublime
para a manifestação do amor criativo, no campo
das formas físicas e na esfera das obras espirituais, e, se
não for respeitado por uma sensata administração dos
valores de que se constitui, vem a ser naturalmente tumultuado
pelas inteligências animalizadas que ainda se
encontram nos níveis mais baixos da evolução.
— Miss Monroe — considerei, encantado, em
lhe ouvindo os conceitos —, devo asseverar-lhe, não
sem profunda estima por sua pessoa, que o suicídio
não lhe alterou a lucidez.
— A tese do suicídio não é verdadeira como foi
comentada — acentuou ela sorrindo. — Os vivos falam
acerca dos mortos o que lhes vem à cabeça, sem que os
mortos lhes possam dar a resposta devida, ignorando
que eles mesmos, os vivos, se encontrarão, mais tarde,
diante desse mesmo problema... A desencarnação me
alcançou através de tremendo processo obsessivo. Em
verdade, na época, me achava sob profunda depressão.

Desde menina, sofri altos e baixos, em matéria de sentimento,
por não saber governar a minha liberdade...
Depois de noites horríveis, nas quais me sentia desvairar,
por falta de orientação e de fé, ingeri, quase semi-
-inconsciente, os elementos mortíferos que me expulsaram
do corpo, na suposição de que tomava uma simples
dose de pílulas mensageiras do sono...
— Conseguiu dormir na grande transição?
— De modo algum. Quando minha governanta
bateu à porta do quarto, inquieta ao ver a luz acesa,
acordei às súbitas da sonolência a que me confiara, sentindo-
me duas pessoas a um só tempo... Gritei apavorada,
sem saber, de imediato, identificar-me, porque lograva
mover-me e falar, ao lado daquela outra forma, a vestimenta
carnal que eu largara... Infelizmente para mim, o
aposento abrigava alguns malfeitores desencarnados que,
mais tarde, vim a saber, me dilapidavam as energias.
Acompanhei, com indescritível angústia, o que se seguiu
com o meu corpo inerme; entretanto, isso faz
parte de um capítulo do meu sofrimento que lhe peço
permissão para não relembrar...
— Ser-lhe-á possível explicar-nos por que terá
experimentado essa agudeza de percepção, justamente
no instante em que a morte, de modo comum, traz
anestesia e repouso?
— Efetivamente, não tive a intenção de fugir da
existência, mas, no fundo, estava incursa no suicídio
indireto. Malbaratara minhas forças, em nome da arte, entregara-me a excessos que me arrasaram as oportunidades
de elevação... Ultimamente, fui informada
por amigos daqui de que não me foi possível descansar,
após a desencarnação, enquanto não me desvencilhei da
influência perniciosa de Espíritos vampirizadores a cujos
propósitos eu aderira, por falta de discernimento quanto
às leis que regem o equilíbrio da alma.
— Compreendo que dispõe agora de valiosos
conhecimentos, em torno da obsessão...
— Sim, creio hoje que a obsessão, entre as criaturas
humanas, é um flagelo muito pior que o câncer.
Peçamos a Deus que a Ciência no mundo se decida a
estudar-lhe os problemas e resolvê-los...
A entrevistada mostrava sinais de fadiga e, pelos
olhos da enfermeira que lhe guardava a cabeça no regaço
amigo, percebi que não me cabia avançar.
— Miss Monroe — concluí —, foi um prazer
para mim este encontro em Hollywood. Podemos, acaso,
saber quais são, na atualidade, os seus planos para o
futuro?
Ela emitiu novo sorriso, em que se misturavam a
tristeza e a esperança, manteve silêncio por alguns instantes
e afirmou:
— Na condição de doente, primeiro, quero melhorar-
me... Em seguida, como aluna no educandário
da vida, preciso repetir as lições e provas em que fali...
Por agora, não devo e nem posso ter outro objetivo que
não seja reencarnar, lutar, sofrer e reaprender...
Pronunciei algumas frases curtas de agradecimento
e despedida e ela agitou a pequenina mão num
gesto de adeus. Logo após, alinhavei estas notas, à guisa
de reportagem, a fim de pensar nas bênçãos do Espiritismo
evangélico e na necessidade da sua divulgação.


Estande da Vida/Irmão X/FCX

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