Já há muitos séculos os seres humanos pensam sobra a
responsabilidade espiritual, encontrando diversas explicações sobre como
suas ações geram consequências boas ou ruins para si mesmos. Espiritas,
falam em lei de ação e reação. No entanto, até que ponto essa lei é bem
compreendida? Até que ponto sabemos escolher com base no conhecimento
que já possuímos?
Emoções e pensamentos definem o modo como vivemos. Diariamente,
criamos nosso céu e inferno pessoais. E a cada minuto a vida responde
conforme nossos padrões mentais e nossas atitudes.
As consequências de nossas atos têm sido entendidas e ensinadas por
religiões e filosofias, durante séculos. E, para os que acreditam nas
leis da vida espiritual e buscam estudá-las, a tentativa de compreensão
do que acontece a partir do comportamento tornou-se um dos principais
elementos a influenciar as escolhas.
Aprendemos a chamar essa correspondência, entre atos e resultados, de
“lei de causa e efeito” ou de “lei de ação e reação”. Contudo, nem
sempre é suficientemente claro, o que se pretende dizer com essas
expressões. Seria o sofrimento, o resultado de nossos atos contrários à
lei de Deus? Podemos melhorar nossa vida melhorando nossa forma de
pensar, sentir, escolher e agir?
PRÊMIOS E CASTIGOS
Conduta moral é o conjunto das atitudes que revelam o caráter de cada
pessoa, sua forma habitual de agir segundo as virtudes já conquistadas.
A igreja católica exerceu uma forte influência no pensamento ocidental
sobre como os efeitos da conduta moral influenciam a vida futura. A
matemática era simples: cumprir os preceitos religiosos e evitar o
pecado levariam a criatura para o Céu, depois de única existência.
Ignorar essas coisas redundaria numa eternidade de sofrimento atrozes e
irremediáveis, a conhecida vida no Inferno. A sorte de cada criatura
estaria lançada a partir do momento em que sua alma deixasse este mundo
em busca do próximo, em locais específicos de felicidade ou sofrimento: o
“Céu” e o “Inferno”.
Sobre a localização das penas e alegrias depois desta vida, a questão
1011 de O Livro dos Espíritos deixa claro que não há, no mundo
espiritual, lugares circunscritos para a permanência dos Espíritos
felizes ou em sofrimento. “As penas e os gozos são inerentes ao grau de
perfeição dos Espíritos. Cada um traz em si mesmo o princípio de sua
própria felicidade ou de infelicidade. E como eles estão por toda parte,
nenhum lugar circunscrito ou fechado se destina a uns e a outros”.
Os Espíritos afins, em razão de seus gostos, simpatias, pensamentos
habituais, emoções predominantes e interesses comuns, reúnem-se em
grupos e podem permanecer ligados entre si, mas não é necessário que
haja um lugar próprio para tal. Contudo, muito tempo atrás, sacerdotes
desenharam em nossa imaginação visões da imortalidade para os bons e os
maus, de maneira a incentivar comportamentos virtuosos ou, pelo menos,
aprovados pela instituição religiosa a qual pertenciam. É claro que
muitos se aproveitaram de nossa ingenuidade, tirando partido de nossos
temores para atender aos próprios interesses. Mas ficou muito marcada,
para nós, a ideia de que vamos receber o prêmio ou o castigo depois, no
“além”, ao se encerrar esta existência. E muitos espíritas conservaram
essa noção equivocada.
Já para os problemas durante a vida, o remédio indicado pelos
sacerdotes era o da tolerância, para suportá-los com o mínimo de
reclamação e o máximo de resignação “santificante”, com vistas ao porvir
de venturas celestiais.
ALEGRIA E SOFRIMENTO NA VIDA PRESENTE
Para outras doutrinas, contudo, o sofrimento presente é entendido
como resultado de ações em vidas passadas. No Oriente, as crenças na
reencarnação e no carma conduzem à noção, bastante difundida entre
aquele povo, de que aquilo que fizemos no passado de múltiplas
reencarnações reverte em situações vividas presentemente.
Tal perspectiva oferece-lhes uma possibilidade de compreensão e
aceitação da condição pessoal e social em que cada um se encontra, por
mais difícil que possa ser. A resignação é uma atitude importante
perante situações sobre as quais não se tem possibilidade de ação, mas é
preciso perceber que em muitos casos há o que fazer para colocar-se em
melhor condição física, emocional e espiritual. Essas ideias chegaram ao
Ocidente, em grande parte, com a divulgação da obra de Helena Petrovna
Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, em Nova York, no ano de
1875.
O Espiritismo, no que se refere aos espíritos, informa que ele são
mais ou menos felizes, conforme o mundo que habitam seja mais ou menos
adiantado. E a classe do mundo onde vão encarnar está de acordo com o
grau de evolução que já atingiram e a necessidade de aprendizado naquela
fase específica de seu progresso. A Terra é classificada, entre as
categorias de mundos habitados, como um planeta de provas e expiações,
de acordo com O Evangelho Segundo o Espiritismo: “A Terra nos oferece,
pois, um dos tipos de mundos expiatórios, em que as variedades são
infinitas, mas têm por caráter comum servirem de lugar de exílio para os
espíritos rebeldes à lei de Deus. Nesses mundos, os espíritos exilados
têm de lutar, ao mesmo tempo, contra a perversidade dos homens e a
inclemência da natureza, trabalho duplamente penoso, que desenvolve a
uma só vez as qualidades do coração e as da inteligência”.
Além das características planetárias, que participam da configuração
das condições da encarnação, existem aspectos relativos à especificidade
do organismo (estado de saúde ou doenças congênitas), do grupo
familiar, e da condição sócio-econômica em que o Espírito irá
reencarnar, e tudo isso atende ao aprendizado espiritual das virtudes
que buscará desenvolver.
O capítulo VII de O Livro dos Espíritos dia que o Espírito prestes a
retomar a vida física possui consciência mais ou menos nítida de que
está chegando o momento da reencarnação, embora muitos deles nem
compreendam o que lhes sucederá. Explica também que ele pode abreviar o
tempo de espera pelo retorno ao plano físico, ou mesmo retardá-lo, mas
não indefinidamente. O Espírito que se unirá a um determinado corpo já
está designado com antecedência, e o corpo sempre corresponde ao tipos
de provas que a que deseja se submeter. Há casos em que ele mesmo pode,
escolher em qual corpo irá reencarnar, embora esta escolha nem sempre
dependa dele.
Estes poucos esclarecimentos sobre a volta do Espírito à vida
corporal nos oferece uma evidência interessante: de que não existe
determinismo na encarnação.
NÃO HÁ DETERMINISMO NO EFEITO
A ideia de uma aplicação automática da lei de ação e reação, nos
moldes da “pena de talião” - “olho por olho, dente por dente” - deixa
conosco uma impressão de que, como diz o adágio popular, “aqui se faz,
aqui se paga”. Como se fosse um sistema de troca entre o indivíduo e a
lei natural – que cobra pelo que aquele fez contra ela.
Esta visão é reforçada por muitos romances onde se explora a
correspondência entre as múltiplas existências de um mesmo Espírito, de
modo a vincular as ações infelizes em uma vida com o sofrimento na vida
posterior. Embora seja um recurso literário interessante, a correlação
entre fatos de uma e de outra vida não pode ser encarada de forma tão
simplista. Tal concepção não poderia conviver com a Justiça Divina, que é
perfeita, e leva em conta a melhoria de sentimentos, o arrependimento, e
que também considera as mínimas atitudes favoráveis ao equilíbrio
íntimo e à pacificação das relações com o próximo.
Nunca se pode afirmar, portanto, que sofremos exatamente aquilo que
fizemos sofrer, de maneira automática. Porque a Leia de Justiça é também
de Amor e Caridade e respeita as condições do espírito em evolução para
melhor oferecer recursos para seu aprendizado.
Não há automatismo da lei de ação e reação, pois mudanças morais no
Espírito podem alterar a intensidade ou mesmo a qualidade da “reação”,
em virtude das mudanças interiores que cada um de nós pode realizar, a
qualquer momento, com o poder da vontade.
O PORQUÊ DO SOFRIMENTO
O ajuste impecável entre nossas atitudes e suas consequências é fruto
da perfeição da justiça divina, mas isso não trata necessariamente de
punição ou recompensa (embora se possa pensar que os bons efeitos de
boas escolhas seriam os nossas prêmios, e vice-versa).
No item 5 do capítulo V de O Céu e o Inferno, Allan Kardec escreveu:
“Sendo o sofrimento inerente à imperfeição, sofre-se por tanto tempo
quanto se for imperfeito, como se sofre de uma doença por tanto tempo
quanto não se consegue extinguir as suas causas. É assim que um homem
orgulhoso sofrerá as consequências do orgulho, da mesma maneira que um
egoísta as do egoísmo”.
Fica nítida a noção de que sofremos, em razão de como somos, e não em
razão daquilo que fizemos. E quando mudamos nosso modo de pensar, sentir
e agir, conseguimos minorar o sofrimento, embora ainda continuemos
sofrendo os efeitos de causas que deflagramos.
Este alívio ocorre, muitas vezes, imediatamente! Por exemplo. Em
muitos casos de enfermidades físicas, o maior estresse está relacionado à
revolta, ao derrotismo, à inconformação, do que aos sintomas
experimentados. Se mudarmos a maneira de pensar e sentir sobre a doença e
seu papel no nosso desenvolvimento espiritual, não só sofremos menos
como podemos ativar potenciais de cura pela ação do pensamento sobre os
fluidos e a matéria.
É comum, pensar-se unicamente em termos de futuro, como se o período
da encarnação fosse um tempo de semeadura e tivéssemos de aguardar no
post-mortem a colheita dos frutos. Contudo, se hoje sabemos que nossas
condições atuais de vida resultaram de escolhas feitas no mundo
espiritual, antes da presente encarnação, ou de causas originadas em
encarnações anteriores, o fato é que a maioria delas nasceu de
deliberações mais recentes, desta própria vida. São estas que, com
frequência, ocasionam prazer ou sofrimento, como explica O Evangelho
Segundo o Espiritismo, capítuloV. Kardec lhes dá o nome de causas atuais
das aflições e, se estamos causando aflições para a nossa vida atual,
significa que, igualmente, podemos aprender atitudes que nos
proporcionem bem-estar a partir de agora, rompendo, em definitivo, com
as ideias aprendidas em outras doutrinas, de que o céu e o inferno estão
além desta vida, num outro tempo e lugar.
Não exite “lá” ou “aqui” para a lei de ação e reação. Podemos, agora,
estar convivendo com o resultado de decisões tomadas em outras vidas ou
no mundo espiritual, ou podemos estar gerando, também neste instante,
uma situação que terá efeitos em poucos minutos. Por exemplo: talvez
estando num lugar público enquanto lê esta revista, alguém se sente ao
seu lado e queira conversar. Talvez, esta mesma pessoa venha trazer-lhe a
resposta para uma questão que o(a) vem atormentando durante muito
tempo, gerando contentamento.
Podemos tomar atitudes que começam a gerar resultados no mesmo
instante em que as tomamos, e que perdurem enquanto nelas perseveramos,
deixando de existir somente quando mudarmos interiormente.
Causas e efeitos de nossos atos estão em toda parte, porque elas não
dependem de se estar encarnado ou desencarnado. Como encarnados, não
apenas permanecemos livres para escolher novos rumos como, também, as
nossas decisões começam a fazer efeito na existência atual –
rapidamente, no campo emocional e mental, embora materialmente possam se
concretizar mais tarde.
Responsabilidade cresce com o entendimento espiritual e implica em
responder por tudo o que for manifestação da vontade do Espírito, por
tudo o que ele decide com razoável consciência dos resultados, seja sob a
forma de pensamentos, atos ou sentimentos.
Dessa forma, a dor e o sofrimento ganham outra dimensão. Observamos
que não somos seres passivos perante eles, podendo realizar modificações
em nossas formas de pensar e de lidar com as situações que redundarão
numa vida com mais qualidade em muitos sentidos.
Rita Foelker é escritora com mais de 40 livros publicados, entre
infantis e adultos, mediúnicos e próprios. Seu mais recente lançamento é
Lembranças de Outra Vida.
Matéria publicada originalmente na revista Universo Espírita
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