“Já desde esta vida
poderemos ir resgatando as nossas faltas?
“Sim, reparando-as. Mas, não creias que as resgateis
mediante algumas privações pueris, ou distribuindo em esmolas o que possuirdes,
depois que morrerdes, quando de nada mais precisais. Deus não dá valor a um
arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no
peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga
mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objetivo
exclusivamente pessoal. (726)”
“Só por meio do bem se repara o mal e a reparação
nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no seu orgulho, nem nos seus
interesses materiais.”
A palavra carma, cuja origem do Sânscrito significa
“ação”, tomou no ocidente a conotação cultural-religiosa de destino traçado e
imutável, servindo para designar as coisas ruins que podem acontecer a alguém em
razão de erros perpetrados em outras existências carnais.
O perfil psicológico do desmerecimento e do pecado,
ainda tão presentes na mentalidade dos povos, generalizou crenças em torno da
idéia do carma que aumentam a infelicidade humana através de pensamentos
destituídos de bom senso e amparo na razão.
Seu conceito, principalmente entre os espíritas, costuma
estar amplamente associado ao sofrimento ou algo que não aceitamos e somos
obrigados a tolerar, por tratar-se de um débito que assumimos antes de renascer
fisicamente.
Assinala-se com base em trechos da codificação que o
sentido existencial da reencarnação é “pagar dívidas”, “resgatar crimes”,
construindo assim um enfoque pessimista e aterrorizante para a filosofia
espírita em função de interpretações errôneas ao sabor do desamor e da punição.
A pior conseqüência dessa forma de entendimento é o cultivo da dor como
mecanismo de evolução e crescimento, gerando um clima de tristeza regado pela
cultura do “não merecimento”. Diz-se que “é necessário tolerar com resignação
todas as provas” e adota-se uma postura de incondicional passividade ante as
lutas, usando a “tolerância orgulhosa” ante as infelicidades da vida. Entre
pessoas que vivem nesse regime, a dor assume a feição de um “troféu” importante
de se exibir, e passa a ser “heróico” falar da “quantidade de dificuldades” para
dar impressão do tamanho do carma. É um fenômeno comportamental sui
generis, porque, em verdade é mais uma faceta da vaidade que tema em se
manifestar ostentando, subliminarmente, a elevação espiritual que logrará essa
criatura tão logo ao desencarnar, já que se convencionou a idéia de que “quanto
mais sofre, mais espiritualizado estará.”
Essa perspectiva nada tem a ver com a autêntica
revelação espírita que foi trazida ao mundo para consolar e libertar,
objetivando oferecer ao homem os recursos para trabalhar sua felicidade. A
codificação é um conjunto e se analisarmos trechos isolados, faremos análises
precipitadas.
Essa postura de resignação passiva é atavismo
religiosista proveniente da formação dos últimos milênios, na qual estipulou-se
o conceito do “eu pecador” na desvalorização do homem perante Deus e o mundo,
inserindo a culpa e a ausência de méritos como os valores a serem
cultuados.
Os reflexos desse estado psicológico fazem-se sentir
através do perfeccionismo, da autopunição, das cobranças exacerbadas e da
inaceitação de si mesmo.
A sabedoria do Espírito Verdade vem em nosso socorro quando diz:
“Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se
não atinge o homem em nem no seu orgulho, nem nos seus interesses
materiais.”
Existem muitos corações respirando nesse regime de dor
como fonte de salvação que se encontram revoltados, inconformados, odientos e
prestes a cometer um mau ato, alimentando a infeliz concepção de eu estão
“queimando seus débitos” esforçando-se, acentuadamente, para manterem a
resignação dentro dessa perspectiva de passividade plena na espera de que Deus e
os bons espíritos venham mudar as coisas.
São os carmas imaginários, a representação mental
distorcida da realidade. Uma situação que amplia o sofrimento do homem por
ausência de sensatez e de amor a si mesmo. São imaginários, porque nem sempre
correspondem aos verdadeiros lances de aprendizado projetados antes das
reencarnações, acumulando dores voluntárias para seus cultores por imaginar que
todos os problemas pelos quais passam têm origem em deslizes cometidos em outras
existências corporais.
Em uma análise feita daqui para o mundo físico,
constatamos que pelo menos dois terços dos sofrimentos humanos provém da
imprudência e de escolhas mal feitas, não sendo real atribuir a “outras
existências” esse uso do livre-arbítrio. O discernimento poderá comprovar essa
realidade.
Além da improbabilidade real de muitos fatos estarem
submetidos à Lei de Causa e Efeito, devemos considerar que a fatalidade do
sofrimento é aprender, e se mantivermos uma “resignação de fachada” sem
atingir o homem no seu orgulho, e nos seus interesses materiais,
de nada nos valerá a dor, causando ainda muitos problemas na vida
imortal.
Se nos mantivermos nessa ou naquela posição social por
carma, em decidida preguiça de melhorar, estaremos adiando uma provável “opção
de Deus” em nosso favor por não agirmos para sair das situações
incômodas.
Isso não nos deverá em hipótese alguma incentivar as
decisões de fuga e abandono dos compromissos, porque, em verdade, estaremos
assim fugindo de nós próprios, transferindo para os novos relacionamentos ou
lugares as mesmas mazelas anteriores.
Resignação sim, mas ativa e otimista. Tolerância
construtiva nos relacionamentos para que haja crescimento. Esforço pessoal no
campo social para que nos credenciemos, justamente, a maiores responsabilidades
e benefícios.
Agüentar por agüentar, sofrer por sofrer é ausência de
consciência nas provas e adiamento de soluções.
Mais uma vez os sábios Guias da codificação auxiliam-nos a
compreensão quando dizem: “A perda de um dedo mínimo, quando se esteja
prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado
durante anos, com objetivo exclusivamente pessoal.”
Suportar por suportar é perda incalculável. Suportar
trabalhando para vencer e aprender é solução a caminho.
Se estamos na dor, precisamos entender seus alvitres,
suas indicativas em favor de nosso aprendizado, a fim de sairmos da lamentável
condição de “vítimas cármicas” de dores que poderíamos superar.
Sejamos otimistas e pensemos com merecimento e
auto-estima, fugindo de atribuir conotação enfermiça à existência através de
comparações com os amigos e conhecidos, lamentando não estar na posição feliz em
que supostamente se encontram.
Lutemos pela nossa felicidade, eliminando os “carmas adicionais”,
crendo e vivendo firmemente o seguinte projeto de vida: “eu mereço ser
feliz.”
Estejamos certos que esse é o projeto de Deus para todos
nós. Aceitemo-lo ainda hoje e cultivemos o sentimento de que merecemos a
felicidade
.
Ermance
Dufaux.
Wnaderley S. de Oliveira.Livro: Mereça Ser
Feliz
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