segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Curados Mas Não Iluminados

João, 4:46-54

Segundo João, Jesus esteve dois dias na Samaria.
Os habitantes da região maravilharam-se com sua sabedoria. Reconheceram nele alguém muito especial.
Depois voltou à Galiléia, onde foi recebido com entusiasmo.
Espalhavam-se rapidamente as notícias sobre os prodígios que operava e a mensagem que transmitia.
Eram tempos gloriosos.
O Céu parecia mais próximo da Terra!
Tão maravilhosa era a capacidade daquele mestre nazareno em refletir o poder e a grandeza de Deus que haveriam de confundi-lo com o próprio Criador.

***
Em Caná, foi procurado por alto funcionário de Herodes Ântipas.
A Palestina, sob dominação romana, estava dividida em quatro regiões administrativas, chamadas tetrarquias:
Galiléia, Judéia, Peréia e Samaria.
Para melhor acomodar as populações ao jugo que lhes era imposto os romanos costumavam nomear filhos da terra como seus representantes.
Herodes, membro da aristocracia judaica, governava a Galiléia. Chamado rei pelos aduladores, era mero títere de Roma.
O visitante vinha de Cafarnaum.
Não viajava em missão oficial. Não era o representante do tetrarca quem ali estava. Apenas angustiado pai que lhe suplicava “descesse e curasse o seu filho, que estava à morte”.
Certamente conhecia Jesus, sabia de seus poderes, tanto que não vacilou em percorrer perto de trinta quilômetros que separavam Cafarnaum de Caná, a fim de implorar sua intervenção.

***
Ao ouvir a solicitação Jesus comentou:
– Se não virdes sinais de prodígios, de modo algum crereis.
O visitante ilustre reiterou, angustiado:
– Desce, Senhor, antes que meu filho morra!
A insistência revelava sua convicção de que Jesus salvaria o menino..
Falava em descer porque havia um desnível de setecentos metros entre Caná, nas montanhas, e Cafarnaum ao nível do lago de Genesaré. Algo semelhante a descer de São Paulo, no planalto, para Santos, à beira-mar.
Jesus o fitou com bondade e afirmou, tranqüilo:
– Vai! Teu filho vive.
O representante do tetrarca sentiu a força daquela afirmativa e acreditou.
Cheio de ansiedade, partiu.
Ainda não chegara ao seu lar e já os servos vinham ao seu encontro, eufóricos, a dizer-lhe que o menino estava bem.
Quis saber a que horas se dera a cura.
– Ontem, à hora sétima, a febre o deixou.
Ele estivera com Jesus naquela tarde.
O leitor estranhará, certamente, a informação de que o menino livrara-se da febre no dia anterior.
É que para os judeus o dia começava no poente, quando o sol declina, por volta das dezoito horas.
Daí a expressão ontem, já que o representante de Herodes encontrou os servos ao anoitecer. A hora sétima corresponde às treze horas, exatamente quando se dera o encontro com Jesus.
Era o segundo prodígio operado em Caná. Mais um nos muitos que caracterizariam seu apostolado de bênçãos.

***
Significativa a observação de Jesus. Ele seria aceito pela multidão basicamente em razão das maravilhas e curas que operava. Poucos consideravam a excelência de seus princípios.
Aceito, portanto, mas pouco observado, escassamente seguido, raramente imitado.
Muitos foram beneficiados, sem se ligarem à sua mensagem. Não se conhece nenhum cego, surdo, paralítico ou mudo curado, a participar da comunidade cristã.
Nenhum deles esteve presente no julgamento de Jesus para defendê-lo, atestando sua integridade moral, seus poderes maravilhosos.
Nenhum deles o acompanhou na via-crúcis, disposto testemunhar fidelidade aos seus princípios.
Temos exemplo típico em Lucas (17:11-18), que relata uma ação prodigiosa de Jesus.
Numa de suas viagens, à entrada de uma aldeia, surgiram dez leprosos. Não podiam aproximar-se, em virtude dos rigorosos costumes da época. Eram considerados imundos.
Clamaram de longe:
– Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós.
Ele respondeu:
– Ide e mostrai-vos aos sacerdotes.
Para retornar ao convívio social, todo portador de moléstia contagiosa devia submeter-se a exame de um sacerdote e dele receber o atestado da cura.
Cumprindo a determinação os leprosos partiram, confiantes de que seriam beneficiados por aquele famoso taumaturgo.
Esse fervor caracteriza o comportamento das pessoas que, desenganadas pela medicina da Terra, apelam para os poderes do Céu.
E mais uma gloriosa intervenção de Jesus aconteceu.
Em plena caminhada, os dez homens perceberam que a pele se recompunha, as manchas desapareciam…
A cura, tão ardentemente desejada, consumava-se!
Um deles apenas, por sinal samaritano, voltou para agradecer, glorificando a Deus em altas vozes.
Perguntou Jesus aos circunstantes:
– Não foram dez os que foram limpos? Onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?
Péssima média!
De dez beneficiados por Jesus, um apenas deu-se ao trabalho de lhe agradecer, e nem sabemos se foi além disso. Não há notícias sobre possível participação na comunidade dos discípulos.
É assim mesmo.
Essas reações são típicas da natureza humana.
O fenômenos, mesmo quando envolvam prodígios de cura, funcionam como fogos de artifício.
Empolgam, atraem, deslumbram, mas logo passam, sem deixar rastros.
Iluminam o Céu, sem grandes repercussões na Terra.

***
Algo semelhante ocorre com o Espiritismo.
Milhares de pessoas passam pelo Centro Espírita Amor e Caridade, em Bauru, anualmente. Se todos os beneficiários dos serviços de passes e atendimento espiritual se convertessem, em breve teríamos a maior comunidade espírita da Terra.
Assim como nos tempos de Jesus, as pessoas continuam preocupadas com o imediatismo terrestre, sem cogitações espiritualizantes. Desejam apenas a cura de seus males e solução de seus problemas. Aceitam os princípios doutrinários, confiam na proteção dos Espíritos, colhem de suas dádivas, mas…
Falta-lhes algo que Michel Quoist define maravilhosamente, num poema inesquecível:
Saí, Senhor,
Lá fora os homens saíram,
Iam,
Vinham,
Andavam,
Corriam.
As bicicletas corriam,
Os automóveis corriam,
Os caminhões corriam,
A rua corria,
A cidade corria,
Todo o mundo corria.
Corriam todos, para não perder tempo:
Corriam ao encalço do tempo,
para recuperar o tempo,
para ganhar tempo.
Até logo, doutor, desculpe-me – não tenho tempo.
Passarei outra vez, não posso esperar mais – não tenho
tempo.
Termino esta carta – pois não tenho tempo.
Queria tanto te ajudar – mas não tenho tempo.
Não posso aceitar, por falta de tempo.
Não posso refletir, nem ler, ando assoberbado – não
tenho tempo.
Gostaria de rezar – mas… eu não tenho tempo.
Compreendes, Senhor, eles não tem tempo.
A criança está brincando, não tem tempo agora mesmo…
mais tarde…
O estudante tem seus deveres a fazer, não tem tempo…
mais tarde…
O universitário tem lá suas aulas, e tanto, tanto trabalho
que não tem tempo… mais tarde…
O rapaz pratica esporte, não tem tempo… mais tarde…
O que casou, há pouco, tem sua casa, deve organizá-la,
não tem tempo… mais tarde…
O pai de família tem seus filhos, não tem tempo… mais
tarde…
Os avós têm seus netos, não têm tempo… mais tarde…
Estão doentes. Precisam tratar-se… não têm tempo…
mais tarde…
Estão à morte, não têm…
Tarde demais… não tem mais tempo.
Assim correm todos os homens atrás do tempo, Senhor.
Passam correndo pela Terra
apressados,
atropelados,
sobrecarregados,
enlouquecidos,
assoberbados,
Nunca chegam, falta-lhes tempo,
Apesar de todos os esforços, falta-lhes tempo,
Falta-lhes mesmo muito tempo.
Com certeza, Senhor, erraste os cálculos.
Há um engano geral:
Horas curtas demais,
Dias curtos demais,
Vidas curtas demais.
Tu que estás fora do tempo, Senhor, sorris ao ver-nos
assim brigar com ele,
E sabes o que fases.
Não te enganas quando distribuis o tempo aos homens,
A cada um dás o tempo de fazer o que queres que faça.
Mas é preciso não perder tempo,
não esbanjar tempo,
não matar o tempo,
Pois o tempo é um presente que nos dás.
Presente perecível,
Um presente que não se conserva.
Tenho tempo, Senhor,
Tenho todo o meu tempo,
Todo o tempo que me dás,
Os anos de minha vida,
Os dias de meus anos,
Os minutos de meus dias,
São todos meus.
Cabe-me preenchê-los
tranqüilamente,
calmamente,
Mas preenchê-los inteirinhos, até a borda,
Para dá-los a Ti
– e que, da água sem sabor,
faças um vinho generoso
como outrora, em Caná,
fizeste para as bodas humanas.
Nesta noite eu não te peço, Senhor, o tempo de fazer
isto e depois aquilo,
Peço-te a graça de fazer, conscienciosamente, no tempo
que me dás, o que queres que eu faça.

Livro Tua fé te salvou/Richard Simonetti

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