Rachel estava no terceiro ano do curso de Medicina e começou a
atender os seus próprios pacientes, sob supervisão. A primeira pessoa
que lhe coube atender foi uma viúva de oitenta e quatro anos, com uma
insuficiência cardíaca das mais simples.
Era a paciente ideal para alguém que não tinha muitos conhecimentos.
Uma doença de fácil tratamento. O diagnóstico foi preciso: ela sofria de
doença coronariana. Com o clínico que a atendia, Rachel conseguiu
elaborar um plano de tratamento, prescrevendo dois medicamentos.
Em poucas semanas, a paciente não se queixou mais de falta de ar, a
tolerância aos exercícios começou a melhorar e o inchaço dos tornozelos
diminuiu.
Estranhamente, embora Rachel exultasse de felicidade com a sua
vitória, a paciente se mantinha sem nenhuma alegria. A jovem médica
pensou que, provavelmente, isso se devia à sua idade avançada. A vida,
para ela, talvez não tivesse o mesmo significado que tinha para a
doutora.
No mês de dezembro, Rachel a dispensou da clínica. Indicou-lhe
somente um medicamento e lhe recomendou que voltasse em seis meses, para
uma reavaliação.
Enquanto escrevia a sua primeira receita, Rachel sentia que estava se tornando uma médica de verdade.
No início de março, entretanto, a senhora retornou para a consulta.
Era a terceira paciente do dia. Enquanto atendia as primeiras, Rachel
pensava em que erro teria cometido, pois tinha certeza de que a paciente
deveria estar de novo com um quadro de insuficiência cardíaca.
Por que outro motivo ela teria voltado tão cedo?
Ansiosa, Rachel entrou na sala de exames e encontrou a senhora,
totalmente vestida, sentada em uma cadeira. Percebendo o olhar de
surpresa da médica, ela disse que não estava ali para um novo exame.
Viera para trazer um presente para ela.
E, das profundezas de sua enorme bolsa, tirou um embrulho e colocou na mão de Rachel. Eram quatro pequeninas flores roxas.
São muscaris, falou a viúva. Há mais de quarenta anos,
meu marido e eu temos plantado essas flores no jardim de nossa casa.
Elas renascem a cada primavera, sem falhar. São o primeiro sinal de que a
vida é mais forte do que o inverno.
No outono anterior, quando senti minha própria vida se retrair,
não pensei no inverno. Pensei na morte. Lembrei-me dos muscaris e das
outras flores do jardim, que retornam a cada primavera. Pensei que nunca
mais as veria. Senti muito medo.
Quando a senhora me explicou sobre a ação do medicamento que
estava me receitando, fiquei descrente. A senhora é tão jovem. Quase
sessenta anos nos separam. O que poderia a senhora saber?
Mas, agora, eu vim lhe agradecer. Obrigada pela ajuda. Obrigada
por conseguir que eu visse outra primavera, que visse outra vez as
minhas flores.
E saiu. Rachel ficou com o pequeno ramalhete nas mãos. Na sua mente,
mil pensamentos começaram a bailar. Os seus livros de farmacologia
traziam explicações sobre o modo de ação do remédio que ela prescrevera e
sua dosagem.
Rachel sabia que, aos oitenta e quatro anos, um coração com problemas
responderia ao medicamento. Os livros lhe tinham ensinado tudo o que
ela precisava saber a respeito. Só não haviam ensinado que o amor pela
vida não é uma função do músculo cardíaco.
Redação do Momento Espírita, a partir do cap. Conhecendo o
coração, do livro As bênçãos do meu avô, de Rachel Naomi
Remen, ed. Sextante.
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