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segunda-feira, 23 de junho de 2014

A verdade dos outros

No primeiro dia de aula, o professor trouxe um vidro enorme:
Isto está cheio de perfume. — Disse aos alunos.
Quero medir a percepção de cada um de vocês. Na medida em que sintam o cheiro, levantem a mão.
E abriu o frasco. Num instante, havia duas mãos levantadas. E logo cinco, dez, trinta, todas as mãos levantadas.
Posso abrir a janela, professor? — Suplicou uma aluna, enjoada de tanto perfume. Outras vozes fizeram eco.
O forte aroma, que pesava no ar, tinha se tornado insuportável para todos.
Então, o professor mostrou o frasco aos alunos, um por um: estava cheio de água. Eles não podiam acreditar no que acabara de acontecer...
*   *   *
Até quando vamos comprar verdades com tanta facilidade assim?
Isso já nos levou a tantos desastres...
Ao invés de encontrar as nossas próprias verdades, o nosso próprio entendimento a respeito das coisas, preferimos, por ignorância ou comodismo, acreditar nas verdades dos outros.
Dessa forma, tornamo-nos uma massa facilmente sugestionável, manipulável, facilmente fascinável por essa ou aquela ideia, por mais absurda que possa ser.
Divulgamos boatos apenas por ouvir dizer e condenamos pessoas, após ter escutado apenas um lado, destruindo vidas inconsequentemente, pelo descuido com o verbo.
Desenvolvemos um prazer tolo pela fofoca que, em muitos casos, se torna um vício deveras perigoso, para quem a divulga e para quem é alvo dos comentários jocosos.
Somos capazes de construir nossas próprias verdades, nosso próprio entendimento sobre as coisas da Terra e do céu.
Mesmo no campo religioso precisamos aprender a associar a fé à razão, para que ela não seja construída em bases frágeis – a fé cega.
Fé raciocinada é sinônimo de segurança. Somente crer depois que compreendermos, depois que fizer sentido dentro de nós, e não porque Fulano ou Beltrano falou, ou porque está escrito aqui ou ali.
Quando ouvimos falar sobre fundamentalismo religioso nos assustamos, mas, muitas vezes, esse tipo de prática está mais próxima do que imaginamos e, em outras esferas de nossa vida, quando fazemos as coisas sem refletir sobre elas, apenas porque sempre foi assim.
Por isso, prestemos muita atenção em nossas existências, se não estamos comprando verdades prontas dos outros, sem que elas façam sentido em nós.
Se não estamos acreditando nisso ou naquilo apenas por dizer, ou apenas por acreditar, por ser cômodo, ou por não ter nada melhor para crer.
Não podemos mais agir como uma massa sem cérebro, que é facilmente seduzida por novidades, por ideias esdrúxulas ou por promessas fantásticas.
Se desejamos mudar nossos líderes, mudemos a nós mesmos primeiro e nos tornemos capazes de escolher melhor os que nos representam nessa ou naquela posição.
Finalmente, tenhamos cuidado com nosso verbo, para que nossa verdade não seja também imposta ao outro com violência. Todos têm o direito de pensar, de escolher, de raciocinar.
Cada um tem o direito e o dever de ter a sua verdade. Respeitemo-nos. Respeitemos a verdade de cada um.

Redação do Momento Espírita, com base no cap.Celebração da desconfiança, de O livro dos abraços,
de Eduardo Gaelano, ed. LPM.

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