Um amigo, às voltas com filhos adolescentes, que ele chama de “aborrescentes”, suspirava:
– Ah! Que bom seria se a criançada dormisse no início na puberdade e despertasse na idade adulta!
Reporta-se à complexidade desse ser estranho, instável, inseguro,
impertinente, ansioso por auto-afirmação, adepto fervoroso da
contestação, que olha com desdém para os pais, “esses caretas, mais por
fora que braço de afogado”.
E pretende ser dono de seu nariz, embora conste como dependente na
declaração de renda familiar, para todos os efeitos, até mesmo quando
exercita a liberdade de decidir como vai gastar a mesada.
A solução não seria pô-lo a dormir, mas ajudá-lo a despertar.
O grande problema do adolescente é justamente o fato de ser alguém que
chega ao fim de longo sono, a partir de seu mergulho na carne.
Completado o processo reencarnatório, o Espírito, que até então era
pouco mais que um sonâmbulo, começa a entrar na posse de si mesmo, de
suas tendências e aptidões, embora guardando completa amnésia em relação
às experiências anteriores.
A proverbial relutância quanto aos cuidados do próprio corpo, envolvendo
higiene, saúde, regime alimentar, sempre me pareceu mero resultado de
longo estágio no plano espiritual, a chamada erraticidade, onde
certamente perdeu o contato com elementares disciplinas sobre o assunto.
***
Na questão 383, de O Livro dos Espíritos, quando Kardec pergunta qual
a utilidade de o Espírito passar pelo estágio da infância, diz o
mentor:
Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante
esse período, é mais acessível às impressões que recebe, capazes de lhe
auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir os incumbidos de
educá-lo.
Observe, leitor amigo, a importância dessa informação!
O período de infância é propício para que influenciemos o Espírito,
educando-o para a vida, ajudando-o a superar suas imperfeições e
mazelas.
Fragilizado, em face das próprias limitações físicas, sem condições para
desenvolver iniciativas próprias, ele é receptivo aos exemplos e
orientações que recebe dos adultos.
O velho ditado, de pequeno é que se torce o pepino, exprime uma realidade.
Muitas tortuosidades e viciações do reencarnante podem ser superadas com
uma educação adequada, conscientes os pais de que, conforme o verso do
poeta inglês William Wordsworth, citado por Machado de Assis
(1839-1908), em Memórias Póstumas de Brás Cubas, a criança é o pai do
homem.
Tendências e mazelas não superadas na infância, herança do pretérito, moldarão o caráter do adulto.
***
Bem, e a adolescência – perguntará o leitor – para que serve?
Meu amigo diz que nesse estágio invertem-se as posições.
Na infância educamos nossos filhos.
Na adolescência eles nos educam.
Somos convocados a exercitar a paciência, a tolerância, a compreensão, o
espírito conciliador, a fim de não transformar o lar em arena de
intermináveis brigas e discussões.
Dentre as diatribes contestatórias do adolescente está a expressão que
costuma usar, quando chamado às falas pelos genitores, em relação ao seu
comportamento.
– Não cobrem nada de mim. Não pedi para nascer!
Pretende que não o consultaram para tê-lo como filho.
Conseqüentemente, que tratem de aceitar suas inconveniências.
O impertinente não tem nenhuma noção sobre essa tolice, que proclama enfaticamente.
Se algo conhecesse sobre as vidas sucessivas jamais falaria assim, tendo
em vista o contingente de Espíritos desencarnados a espera da
oportunidade de um mergulho na carne para experiências redentoras.
Certamente ele pediu, sim, insistentemente, para que seus pais lhe
concedessem a abençoada oportunidade do recomeço, sem a lembrança do
passado, a fim de vencer paixões e fixações que precipitaram seus
fracassos e o infelicitam.
***
É típico do adolescente situar os pais por incompetentes que não enxergam um palmo adiante do nariz.
Julga-se capaz de fazer muito mais por si mesmo.
É bom que o faça.
Seu futuro depende disso.
Mas, certamente, quando estiver às voltas com filhos adolescentes há de
mudar sua opinião, reconhecendo que os “velhos” fizeram bem mais em seu
benefício do que o supunha sua pretensa sabedoria.
Richard Simonetti
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