Da criação - O LIVRO DOS ESPÍRITOS

 

Formação dos mundos

O Universo abrange a infinidade dos mundos que vemos e dos que não

vemos, todos os seres animados e inanimados, todos os astros que se

movem no espaço, assim como os fluidos que o enchem.

37. O Universo foi criado, ou existe de toda a eternidade, como Deus?

“É fora de dúvida que ele não pode ter-se feito a si mesmo.

Se existisse, como Deus, de toda a eternidade, não seria obra

de Deus.”

Diz-nos a razão não ser possível que o Universo se tenha feito a si mesmo

e que, não podendo também ser obra do acaso, há de ser obra de Deus.

38. Como criou Deus o Universo?

“Para me servir de uma expressão corrente, direi: pela sua Vontade. Nada caracteriza melhor essa vontade onipotente do que

estas belas palavras de Gênesis (1:3) – ‘Deus disse: Faça-se a luz

e a luz foi feita’.”



39. Poderemos conhecer o modo de formação dos mundos?

“Tudo o que a esse respeito se pode dizer e podeis compreender é

que os mundos se formam pela condensação da matéria disseminada no Espaço.”

40. Serão os cometas, como agora se pensa, um começo de condensação da

matéria, mundos em via de formação?

“Isso está certo; absurdo, porém, é acreditar-se na influência

deles. Refiro-me à influência que vulgarmente lhes atribuem,

porquanto todos os corpos celestes influem de algum modo em

certos fenômenos físicos.”

41. Pode um mundo completamente formado desaparecer e disseminar-se

de novo no Espaço a matéria que o compõe?

“Sim, Deus renova os mundos, como renova os seres vivos.”

42. Poder-se-á conhecer o tempo que dura a formação dos mundos: da

Terra, por exemplo?

“Nada te posso dizer a respeito, porque só o Criador o sabe e bem

louco será quem pretenda sabê-lo, ou conhecer que número de

séculos dura essa formação.”

Formação dos seres vivos

43. Quando começou a Terra a ser povoada?

“No começo tudo era caos; os elementos estavam em confusão.

Pouco a pouco cada coisa tomou o seu lugar. Apareceram então

os seres vivos apropriados ao estado do globo.”

44. Donde vieram para a Terra os seres vivos?

“A Terra lhes continha os germes, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram, desde que cessou a atuação da força que os mantinha

afastados, e formaram os germes de todos os seres vivos. Estes

germes permaneceram em estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até o momento propício ao surto

Da criação

de cada espécie. Os seres de cada uma destas se reuniram, então,

e se multiplicaram.”

45. Onde estavam os elementos orgânicos, antes da formação da Terra?

“Achavam-se, por assim dizer, em estado de fluido no Espaço, no

meio dos Espíritos, ou em outros planetas, à espera da criação da

Terra para começarem existência nova em novo globo.”

A Química nos mostra as moléculas dos corpos inorgânicos unindo-se para

formarem cristais de uma regularidade constante, conforme cada espécie,

desde que se encontrem nas condições precisas. A menor perturbação nestas

condições basta para impedir a reunião dos elementos, ou, pelo menos, para

obstar à disposição regular que constitui o cristal. Por que não se daria o

mesmo com os elementos orgânicos? Durante anos se conservam germes de

plantas e de animais, que não se desenvolvem senão a uma certa temperatura e em meio apropriado. Têm-se visto grãos de trigo germinarem depois

de séculos. Há, pois, nesses germes um princípio latente de vitalidade, que

apenas espera uma circunstância favorável para se desenvolver. O que diariamente ocorre debaixo das nossas vistas, por que não pode ter ocorrido desde

a origem do globo terráqueo? A formação dos seres vivos, saindo eles do

caos pela força mesma da Natureza, diminui de alguma coisa a grandeza de

Deus? Longe disso: corresponde melhor à ideia que fazemos do seu poder a

se exercer sobre a infinidade dos mundos por meio de leis eternas. Esta teoria

não resolve, é verdade, a questão da origem dos elementos vitais; mas Deus

tem seus mistérios e pôs limites às nossas investigações.

46. Ainda há seres que nasçam espontaneamente?

“Sim, mas o germe primitivo já existia em estado latente. Sois todos os

dias testemunhas desse fenômeno. Os tecidos do corpo humano e do

dos animais não encerram os germes de uma multidão de vermes que

só esperam, para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária à existência? É um mundo minúsculo que dormita e se cria.”

47. A espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos contidos

no globo terrestre?

“Sim, e veio a seu tempo. Foi o que deu lugar a que se dissesse que

o homem se formou do limo da terra.”

Parte Primeira – Capítulo III


48. Poderemos conhecer a época do aparecimento do homem e dos outros

seres vivos na Terra?

“Não; todos os vossos cálculos são quiméricos.”

49. Se o germe da espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não se formam espontaneamente homens,

como na origem dos tempos?

“O princípio das coisas está nos segredos de Deus. Entretanto,

pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados pela Terra, absorveram em si mesmos os elementos necessários à sua própria

formação, para os transmitir segundo as leis da reprodução. O

mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos.”

Povoamento da Terra. Adão

50. A espécie humana começou por um único homem?

“Não; aquele a quem chamais Adão não foi o primeiro, nem o

único a povoar a Terra.”

51. Poderemos saber em que época viveu Adão?

“Mais ou menos na que lhe assinais: cerca de 4.000 anos antes

do Cristo.”

O homem, cuja tradição se conservou sob o nome de Adão, foi dos que

sobreviveram, em certa região, a alguns dos grandes cataclismos que

revolveram em diversas épocas a superfície do globo, e se constituiu

tronco de uma das raças que atualmente o povoam. As Leis da Natureza

se opõem a que os progressos da Humanidade, comprovados muito

tempo antes do Cristo, se tenham realizado em alguns séculos, como

houvera sucedido se o homem não existisse na Terra senão a partir da

época indicada para a existência de Adão. Muitos, com mais razão, consideram Adão um mito ou uma alegoria que personifica as primeiras

idades do mundo.

Diversidade das raças humanas

52. Donde provêm as diferenças físicas e morais que distinguem as raças

humanas na Terra?


“Do clima, da vida e dos costumes. Dá-se aí o que se dá com dois

filhos de uma mesma mãe que, educados longe um do outro e de

modos diferentes, em nada se assemelharão, quanto ao moral.”

53. O homem surgiu em muitos pontos do globo?

“Sim e em épocas várias, o que também constitui uma das causas

da diversidade das raças. Depois, dispersando-se os homens por

climas diversos e aliando-se os de uma aos de outras raças, novos

tipos se formaram.”

a) Estas diferenças constituem espécies distintas?

“Certamente que não; todos são da mesma família. Porventura

as múltiplas variedades de um mesmo fruto são motivo para que

elas deixem de formar uma só espécie?”

54. Pelo fato de não proceder de um só indivíduo a espécie humana,

devem os homens deixar de considerar-se irmãos?

“Todos os homens são irmãos em Deus, porque são animados

pelo espírito e tendem para o mesmo fim. Estais sempre inclinados a tomar as palavras na sua significação literal.”

Pluralidade dos mundos

55. São habitados todos os globos que se movem no Espaço?

“Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro

em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais.

Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo.”

Deus povoou de seres vivos os mundos, concorrendo todos esses seres

para o objetivo final da Providência. Acreditar que só os haja no Planeta

que habitamos fora duvidar da sabedoria de Deus, que não fez coisa

alguma inútil. Certo, a esses mundos há de ele ter dado uma destinação

mais séria do que a de nos recrearem a vista. Aliás, nada há, nem na

posição, nem no volume, nem na constituição física da Terra, que possa

induzir à suposição de que ela goze do privilégio de ser habitada, com

exclusão de tantos milhares de milhões de mundos semelhantes.

Parte Primeira – Capítulo III


56. É a mesma a constituição física dos diferentes globos?

“Não; de modo algum se assemelham.”

57. Não sendo uma só para todos a constituição física dos mundos,

seguir-se-á tenham organizações diferentes os seres que os habitam?

“Sem dúvida, do mesmo modo que no vosso os peixes são feitos

para viver na água e os pássaros no ar.”

58. Os mundos mais afastados do Sol estarão privados de luz e calor, por motivo de esse astro se lhes mostrar apenas com a aparência de uma estrela?

“Pensais então que não há outras fontes de luz e calor além do Sol

e em nenhuma conta tendes a eletricidade que, em certos mundos, desempenha um papel que desconheceis e bem mais importante do que o que lhe cabe desempenhar na Terra? Demais, não

dissemos que todos os seres são feitos da mesma matéria que vós

outros e com órgãos de conformação idêntica à dos vossos.”

As condições de existência dos seres que habitam os diferentes mundos

hão de ser adequadas ao meio em que lhes cumpre viver. Se jamais houvéramos visto peixes, não compreenderíamos pudesse haver seres que vivessem dentro da água. Assim acontece com relação aos outros mundos,

que sem dúvida contêm elementos que desconhecemos. Não vemos na

Terra as longas noites polares iluminadas pela eletricidade das auroras

boreais? Que há de impossível em ser a eletricidade, nalguns mundos,

mais abundante do que na Terra e desempenhar neles uma função de ordem geral, cujos efeitos não podemos compreender? Bem pode suceder,

portanto, que esses mundos tragam em si mesmos as fontes de calor e de

luz necessárias a seus habitantes.

Considerações e concordâncias bíblicas

concernentes à Criação

59. Os povos hão formado ideias muito divergentes acerca da Criação, de acordo com as luzes que possuíam.?

 Apoiada na Ciência, a

razão reconheceu a inverossimilhança de algumas dessas teorias.

A que os Espíritos apresentam confirma a opinião de há muito

partilhada pelos homens mais esclarecidos.


A objeção que se lhe pode fazer é a de estar em contradição com

o texto dos livros sagrados. Mas um exame sério mostrará que

essa contradição é mais aparente do que real e que decorre da

interpretação dada ao que muitas vezes só tinha sentido alegórico.

A questão de ter sido Adão, como primeiro homem, a origem

exclusiva da Humanidade, não é a única a cujo respeito as crenças

religiosas tiveram que se modificar. O movimento da Terra pareceu, em determinada época, tão em oposição às letras sagradas,

que não houve gênero de perseguições a que essa teoria não tivesse servido de pretexto, e, no entanto, a Terra gira, malgrado os

anátemas, não podendo ninguém hoje contestá-lo, sem agravo à

sua própria razão.

Diz também a Bíblia que o mundo foi criado em seis dias e põe

a época da sua criação há quatro mil anos, mais ou menos, antes da Era Cristã. Anteriormente, a Terra não existia; foi tirada

do nada: o texto é formal. Eis, porém, que a Ciência positiva, a

inexorável Ciência, prova o contrário. A história da formação do

globo terráqueo está escrita em caracteres irrecusáveis no mundo

fóssil, achando-se provado que os seis dias da criação indicam

outros tantos períodos, cada um de, talvez, muitas centenas de

milhares de anos. Isto não é um sistema, uma doutrina, uma opinião isolada; é um fato tão certo como o do movimento da Terra

e que a Teologia não pode negar-se a admitir, o que demonstra

evidentemente o erro em que se está sujeito a cair tomando ao pé

da letra expressões de uma linguagem frequentemente figurada.

Dever-se-á daí concluir que a Bíblia é um erro? Não; a conclusão

a tirar-se é que os homens se equivocaram ao interpretá-la.

Escavando os arquivos da Terra, a Ciência descobriu em que ordem os seres vivos lhe apareceram na superfície, ordem que está

de acordo com o que diz em Gênesis, havendo apenas a notar-se a

diferença de que essa obra, em vez de executada milagrosamente

por Deus em algumas horas, se realizou, sempre pela sua vontade,

mas conforme a lei das forças da Natureza, em alguns milhões

de anos. Ficou sendo Deus, por isso, menor e menos poderoso?

Perdeu em sublimidade a sua obra, por não ter o prestígio da

instantaneidade? Indubitavelmente, não. Fora mister fazer-se da

Divindade bem mesquinha ideia, para se não reconhecer a sua

onipotência nas leis eternas que ela estabeleceu para regerem os

mundos. A Ciência, longe de apoucar a obra divina, no-la mostra

sob aspecto mais grandioso e mais acorde com as noções que temos do poder e da majestade de Deus, pela razão mesma de ela se

haver efetuado sem derrogação das Leis da Natureza.

De acordo, neste ponto, com Moisés, a Ciência coloca o homem

em último lugar na ordem da criação dos seres vivos. Moisés, porém, indica, como o do dilúvio universal, o ano 16547

 da formação do mundo, ao passo que a Geologia nos aponta o grande cataclismo como anterior ao aparecimento do homem, atendendo

a que, até hoje, não se encontrou, nas camadas primitivas, traço

algum de sua presença, nem da dos animais de igual categoria, do

ponto de vista físico. Contudo, nada prova que isso seja impossível. Muitas descobertas já fizeram surgir dúvidas a tal respeito.

Pode dar-se que, de um momento para outro, se adquira a certeza

material da anterioridade da raça humana e então se reconhecerá que, a esse propósito, como a tantos outros, o texto bíblico

encerra uma figura. A questão está em saber se o cataclismo geológico é o mesmo a que assistiu Noé. Ora, o tempo necessário à

formação das camadas fósseis não permite confundi-los e, desde

que se achem vestígios da existência do homem antes da grande

catástrofe, provado ficará, ou que Adão não foi o primeiro homem, ou que a sua criação se perde na noite dos tempos. Contra

a evidência não há raciocínios possíveis; forçoso será aceitar-se

esse fato, como se aceitaram o do movimento da Terra e os seis

períodos da Criação.

A existência do homem antes do dilúvio geológico ainda é, com

efeito, hipotética. Eis aqui, porém, alguma coisa que o é menos.

Admitindo-se que o homem tenha aparecido pela primeira vez na

Terra 4.000 anos antes do Cristo e que, 1.650 anos mais tarde,

toda a raça humana foi destruída, com exceção de uma só família, resulta que o povoamento da Terra data apenas de Noé, ou

seja: de 2.350 anos antes da nossa era. Ora, quando os hebreus

emigraram para o Egito, por volta de 1700 a.C., encontraram

esse país muito povoado e já bastante adiantado em civilização. A

História prova que, nessa época, as Índias e outros países também

estavam florescentes, sem mesmo se ter em conta a cronologia

de certos povos, que remonta a uma época muito mais afastada.

Teria sido preciso, nesse caso, que de 2300 a 1700 a.C., isto é,

num espaço de 600 anos, não somente a posteridade de um único

homem houvesse podido povoar todos os imensos países então

conhecidos, suposto que os outros não o fossem, mas também

que, nesse curto lapso de tempo, a espécie humana houvesse podido elevar-se da ignorância absoluta do estado primitivo ao mais

alto grau de desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis antropológicas.

A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião. O clima e os costumes produzem, é certo, modificações no caráter físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a influência dessas causas. Entretanto, o exame fisiológico demonstra haver, entre certas raças,

diferenças constitucionais mais profundas do que as que o clima é

capaz de determinar. O cruzamento das raças dá origem aos tipos

intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não

os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como,

porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de

admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé se

tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por

exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto à hipótese de uma origem comum para o lobo e o cordeiro, para

o elefante e o pulgão, para o pássaro e o peixe. Ainda uma vez:

nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos.

Tudo, ao invés, se explica, admitindo-se: que a existência do homem é anterior à época em que vulgarmente se pretende que

ela começou; que diversas são as origens; que Adão, vivendo há

6.000 anos, tenha povoado uma região ainda desabitada; que o

dilúvio de Noé foi uma catástrofe parcial, confundida com o cataclismo geológico; e atentando-se, finalmente, na forma alegórica, peculiar ao estilo oriental, forma com que deparamos nos

livros sagrados de todos os povos. Isto faz ver quanto é prudente

não lançar levianamente a pecha de falsas as doutrinas que podem, cedo ou tarde, como tantas outras, desmentir os que as

combatem. As ideias religiosas, longe de perderem alguma coisa,

se engrandecem, caminhando de par com a Ciência. Esse o meio

único de não apresentarem lado vulnerável ao ceticismo.

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