ADVERTÊNCIA FRATERNA***

 

Meu amigo! pede você uma notícia do país onde vivo agora, não à maneira do turista

desocupado, mas como aprendiz atencioso dos mistérios da vida.

É quase impossível satisfazer-lhe a curiosidade.

Ante o carinho da solicitação, lembro-me dos amigos que iam à Europa, saboreando

expectativas e novidades. Abraçávamo-nos à partida, quando o cais regurgitava de olhares

ansiosos, e depois recebíamos pelo correio marítimo os cartões de saudades e afeição. Se

passavam pela Itália, tinham o cuidado de selecionar postais preciosos. Enviavam-nos

aquarelas do Vaticano ou fotografias encantadoras onde figurassem os pombos de São

Marcos. Da França, mandavam-nos belas gravuras alusivas aos monumentos históricos,

relacionando museus e castelos, praças e jardins. Da Suíça, remetiam-nos, invariavelmente,

as deliciosas e alvas paisagens de neve. Não podíamos gozar-lhes a companhia na

contemplação da Torre de Pisa ou do Lago de Como, entretanto, para compreendê-los

possuíamos igualmente as nossas torres, museus, pássaros e lagos. Ao regresso,

abraçávamo-nos, de novo, ouvindo-lhes as narrações, encantados e felizes. Voltavam

sempre tomados de profunda admiração e cheios de projetos grandiosos. Alguns chegavam

a intentar mentalmente a transformação imediata da Candelária num templo análogo à

Abadia de Westminster, a fim de recordarem a passagem por Londres; outros idealizavam

novas ruas para o seu bairro, idênticas às grandes artérias que se comunicam com o Arco do

Triunfo, em Paris. Aos poucos, porém, esqueciam-se do primeiro assombro e reajustavam-se

ao café humilde, ao bonde acessível e aos edifícios menos suntuosos.

Entre nós, porém, meu amigo, a distância e as condições não se igualam às que separam

Lisboa do Rio de Janeiro. É muito diferente a situação. Exprimindo-me com franqueza, não

disponho nem mesmo de recursos para dizer-lhe a lonjura em que me encontro. Os

astrônomos terão meios de alinhar números, fornecendo informes das medidas

macrocósmicas, e os bacteriologistas dispõem de aparelhos com que demonstram as

atividades do plano infinitesimal. Mas, o homem desencarnado ainda não pode contar,

perante vocês, com a precisa facilidade de expressão.

Movimentamo-nos no sublime Universo, que somos nós mesmos, e as surpresas são tantas

e tamanhas que, a rigor, não temos, por enquanto, o vocabulário imprescindível à moldagem

verbal das sensações diferentes. Não tenho cartões postais, nem pinturas, com que possa

transmitir-lhe as informações desejáveis. Tenho apenas idéias que lhe envio à mente

generosa pelo telégrafo mediúnico. E devendo aproveitar os pensamentos e concepções que

você possui, para fazer-me compreendido, é quase inútil que eu lhe descreva meu novo

campo residencial... Seu sentimento amigo talvez entendesse alguns conceitos novos,

relativamente à vida eterna do espírito imortal, mas o seu raciocínio cerrar-me-ia a porta. A

razão, de fato, é uma luz na consciência humana, mas, por vezes, converte-se num Cérebro

feroz, a exercer terrível controle sobre o coração. 

Sei, contudo, que o seu interesse por minhas noticias prende-se, acima de tudo, à sua

própria situação. Você reconhece que o seu destino será igual ao meu e que, talvez, não

tarde o instante em que deverá tomar aquele mesmo carro, incensado de flores, que

transportou meus despojos para o passaporte devido para a misteriosa e bela região que

hoje me serve de moradia.

Em razão disso, tomo a liberdade de sugerir-lhe que procure um roteiro para a viagem, antes

de buscar qualquer emoção do noticiário.

Sua necessidade fundamental, no momento, não é a de informar-se quanto às revelações

daqui, mas a de preparar-se, convenientemente, para vir.

Diminua as suas bagagens de natureza terrestre. É este meu conselho inicial. Quando

abandonei a margem de onde você me escreve, tripulei, eu sozinho, o salva-vidas que a

Providência me atirou por misericórdia, e cerquei-me de alguns pequenos tesouros que

desejava conservar, a qualquer preço. Separara-me sem esforço de certos patrimônios

materiais que mantinha como valiosos triunfos, mas, algumas jóias e lembranças ficariam,

por fim, para enriquecimento do meu coração. Todavia, fui compelido a abandoná-las,

também, a fim de chegar aqui convalescente e esperançoso. Até mesmo os mais leves anéis

que eu guardava nos dedos, fui obrigado a atirar às águas pesadas do esquecimento, para

sobreviver.

Diz você que os espíritos desencarnados pregam demasiadamente a virtude e que se

referem, provavelmente em excesso, à caridade, à fé e ao amor cristão, e por isso deseja

noticiário daqui, mais preciso e concreto.

Que adianta, porém, falar de um país que vocês não compreendem, agora, e para o qual

todos os homens se destinam de maneira fatal, sem prepará-los para a grande viagem? Não

será mais lógico induzi-los a pensar nos cuidados do presente, para que o futuro lhes seja

favorável? Desse modo, eu não posso, em respondendo a você, deixar de recordar as

mesmas imagens dos meus companheiros que já se encontram igualmente “neste lado”.

Faça o bem quanto seja possível; conserve a retidão da consciência e renda-lhe culto diário.

Sobretudo, se deseja um aviso mais exato, desamarre o coração, cortando os liames que o

prendem à esfera das paixões inferiores, antes de soar o seu toque de partir.

Não se descuide. Trace o seu roteiro e siga. Não perca seu tempo rogando orientações

nesse sentido, porque todos nós possuímos o padrão do Cristo. Atenda ao preparo

indispensável, porquanto, dentro de algumas semanas, possivelmente, estarás também

conosco, sem coragem de fornecer noticiário a ninguém. 

Comentários