A volta

 

Em meio a tantas tribulações de minha última vida terrena, eu estava decidido a

mudar, a não mais cometer os mesmos desatinos anteriores. Para isso resolvi,

aqui mesmo no astral, antes de reencarnar, estudar as causas que determinaram

meus fracassos e deram razão a tantos sofrimentos.

Isso acontece com quase todos ao decidir voltar à Terra. Da mesma forma que,

quando vamos partir em uma viagem, desejamos nos proteger e evitar os apuros

em um país distante, procuramos reforçar os meios de proteção, armazenando no

subconsciente, e nesse caso até no inconsciente, dados e recursos que mesmo

esquecidos nos influenciam e defendem.

Por isso, são comuns aqui os cursos de preparação onde aprendemos a identificar

possíveis problemas com os quais costumeiramente nos envolvemos no campo

emocional. É difícil para nós compreender que a ausência de drama não significa

ser insensível.

Acostumados aos exageros mundanos em que as aparências impressionam e

podem determinar o julgamento dos outros a nosso respeito, ninguém deseja

parecer indiferente e sem sentimentos. Por isso, demonstrar piedade excessiva,

exagerar a dor alheia, entrar na emoção, é um costume tão radicalizado que,

quando alguém não o utiliza, é logo execrado como empedernido.

Todavia, aqui os critérios são outros. Somos levados a descobrir que o exagero

adultera a realidade e cria sofrimentos desnecessários. Não só enfraquecem

quem os utiliza como estabelecem círculos viciosos de opressão e de

dificuldades.

Por isso, controlar as emoções, atender aos sentimentos mais íntimos, perceber

os fatos como eles realmente são, olhar a vida com otimismo e principalmente

conhecer a extensão do próprio poder são lições que constam de todos os

preparativos da reencarnação.

Se é verdade que o passado sempre estará presente em nossas vidas e certamente

disporá os elementos necessários ao nosso ajuste na próxima reencarnação, ele

comparece justamente para nos oferecer oportunidade de solucionarmos o que

ficou inacabado e sempre vem acompanhado de novas possibilidades que, se

observadas, nos libertarão.

Assim sendo, também aprendemos a olhar uma situação antiga com olhos mais

experientes e atualizados. Isso é aqui, porque, quando estamos no mundo e não

controlamos as antigas emoções e nos descontrolamos, dificultamos soluções e

reajustes.

A excessiva pena de si mesmo, o exagero das dificuldades, deformará os fatos e

os transformará em problemas, exatamente como no passado, e nem sempre nós

poderemos ultrapassar as barreiras existentes, o que nos fará continuar com as

mesmas necessidades, atraindo os mesmos sofrimentos de antes, inutilizando o

ajuste e, às vezes, até a própria reencarnação.

Essa sensação de fracasso nos acompanha quando regressamos, percebendo que

nos mantivemos no mesmo círculo vicioso, sem resolvermos nossos desajustes,

precisando voltar novamente, dentro dos mesmos tipos de problemas, para tentar

aprender o que necessitamos. A isso damos o nome de carma.

As religiões da Terra não pensam dessa forma. Consideram o carma inexorável e

predestinado.

Aqui aprendemos que podemos mudar nosso destino e a melhor hora é sempre o

momento presente. Temerosos das dificuldades na vivência terrena, por causa do

esquecimento e, principalmente, no temor das influências do ambiente sempre

distorcidas e distantes da realidade, procuramos em nossos sentimentos e nossas

necessidades. Há, nos cursos preparatórios daqui, muitos exercícios para

desenvolver nosso senso de observação, inclusive da linguagem corporal.

Conhecer-se, percebendo nossas necessidades reais, ajuda-nos a viver melhor.

Por isso, aqui no astral, o interesse de todos acabou por desenvolver muito a

carência do comportamento, contribuindo para que também na Terra essa ciência

tenha progredido.

A psicologia, inexpressiva no início do século passado, agora tem se enriquecido

intensamente e, quanto mais for compreendida, mais ela se desenvolverá na

Terra, acabando por unificar-se com os sentimentos divinos, porquanto o que

nasceu de uma necessidade interior de reajuste e crescimento acabará por

mostrar a perfeição universal e a grandeza da vida.

Após tantos anos de estudos, eu acredito poder voltar. Agora já sei identificar

algumas emoções e dosá-las adequadamente. Posso compreender o sofrimento

corretivo que grassa no mundo sem que meu conceito de justiça seja abalado.

Posso acalmar minha ansiedade, sempre que me sinta impotente para entender

ou fazer alguma coisa. Poder confiar na proteção da vida é um recurso infalível

para isso. Já consigo parar e deixar o poder divino agir por mim, sempre que não

sei como proceder.

Além disso, sinto-me mais confiante, mais seguro. Em todo o caso, já consegui

que alguns amigos daqui me auxiliem durante o tempo em que eu estiver aí,

facilitando a rememoração quando necessário.

Por tudo isso, eu deveria sentir-me firme, sereno. Porém, pensando no breve

regresso, sinto um friozinho na espinha, uma excitação, que faz parte do meu

treinamento em aprender a disciplinar-me. Procuro, nesses momentos, pensar

nas coisas boas que me acontecerão.

Esqueço a primeira infância, recordo a juventude. A euforia da mocidade, a

alegria de viver, o amor! Como será bom sentir novamente essas emoções,

usufruir do poder de criar novas experiências, escrever outras páginas no livro da

minha vida.

Sim, eu retorno em breve. Uma nova oportunidade de vida! Mas, desta vez, tudo

será diferente. Saberei escolher pensamentos, oportunidades, emoções. Terei

como receita eficiente e atuante o amor. Um amor incondicional por tudo e por

todos, mesmo quando não me sentir amado ou compreendido. Plantar é o mais

importante. Irradiar é receber. Dar é obter.

Assim sendo, optei por uma profissão que ajude as pessoas a aprender a

melhorar seu comportamento. Dessa forma estarei sempre atento às minhas

próprias necessidades. Claro. Serei um espelho onde a vida sempre mostrará

onde estou me situando.

Terei uma boa aparência. Eu pedi e obtive. Isso é importante não só para um

bom relacionamento com os outros no mundo como para mim. Gosto da beleza e

seria muito penoso conviver com uma figura mal-acabada. Meus pais serão

pessoas de muito boa aparência.

Quanto à situação financeira, não me preocupa. Ter dinheiro seria bom,

facilitaria meus planos, contudo, atualmente na Terra quem tem recursos não está

querendo ter filhos. Só consegui uma vaga com pais muito pobres e de modestos

recursos. Mas concordei. Sei que o universo é muito rico e, como eu acredito

nisso, receberei todo o dinheiro que precisar para manter uma vida boa onde

possa pagar meus estudos e usufruir de uma vida confortável. É tudo quanto vou

precisar.

Quanto ao casamento, decidi aceitar uma companheira do passado. Naquele

tempo nosso relacionamento foi muito difícil. Contudo, agora, creio que saberei

melhorar as coisas. Apesar dos desconfortos, reconheço que ainda a amo muito

e, onde há amor, há muitas possibilidades. Sei que ela ainda me quer, concordou

em tentar de novo ao meu lado. Estou confiante. Afinal, agora estou mudado e

posso até identificar novos aspectos da minha personalidade e compreender

melhor certos elementos do comportamento dela.

Mesmo assim, muitas coisas vão depender de como eu vou me sair no novo

empreendimento. Posso até entender que, se eu não ignorasse certos detalhes, ou

já pudesse controlar todos os meus sentimentos, prescindiria dessa reencarnação.

Ninguém me informou se ela, a mulher que será minha esposa, também fez no

astral os cursos de melhoria interior. Será? De qualquer forma, como ninguém

me deu essa informação, por certo um dia descobrirei por mim mesmo.

Realmente estou feliz. Se vocês soubessem onde irei nascer, poderiam rezar por

mim, ajudar-me. Como não sabem, resta-me o recurso de confiar em Deus e

contar apenas comigo mesmo. Em todo o caso, desabafar fez-me bem. Foi como

sintetizar meus conhecimentos, testar minhas capacidades.

Obrigado e adeus. Na vida, tudo acontece sempre para o melhor!

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