quinta-feira, 11 de novembro de 2010

FRANZ LISZT

De quando em quando o mundo é surpreendido com o aparecimento dos chamados meninos-prodígio. Na história da música vamos encontrar páginas escritas em várias épocas e nas quais estão registrados muitos casos que provam, com exuberância, haver periodicamente encarnado, em nosso planeta, Espíritos que desde a mais tenra infância demonstraram uma tendência muito acentuada para a música, a ponto de causar espanto aos próprios mestres da arte musical.
Os espiritualistas rejeitamos a tese segundo a qual esse pendor, essa habilidade, esse poder criador sejam oriundos das glândulas endócrinas, ou de coisas semelhantes.
Sabemos que Deus criou todos simples e ignorantes, devendo cada um conquistar, pelo seu esforço, trabalho e boa-vontade, as luzes da inteligência.
Não ignoramos, como espíritas, que em uma única existência não há quem possa tornar-se senhor de qualquer arte, pois somente através de vidas sucessivas, dedicadas a estudos e experiências no campo da arte musical, experiências e estudos completados com as lições recebidas nas escolas do Espaço, é que o homem se revelará um “virtuose”, um grande músico.
E todo aquele que sente a música terá de ser espiritualista, e não há quem, sentindo-a profundamente, não receba inspirações nos momentos de compor qualquer frase musical, porque elas vêm, seja em estado de sono, seja no de vigília.
Hoffman, musicista de valor, confessou que “para compor, sentava-se ao piano, fechava os olhos e tocava o que lhe ditavam aos ouvidos”.
*
Certo domingo, o pai de Franz Liszt tocava o concerto de Ries, em Dó sustenido menor, sem reparar quem seu filhinho, que então contava seis anos de idade, estava ao pé dele, embevecido com os sons do instrumento. Quando terminou a execução desse concerto, o garoto fugiu para o jardim, a fim de reter, o maior tempo possível, aquelas vozes amigas.
À hora do jantar, sentado à mesa, repetiu-as sem uma falha. O pai, entusiasmado, perguntou-lhe:
- Meu filho, que desejas ser mais tarde?
E o garotinho Franz Liszt respondeu:
- Aquele – apontando para uma litografia de Beethoven pendurada à parede.
No dia imediato, o genitor de Franz deu-lhe a primeira lição de piano e daí então passava horas inteiras estudando escalas, melhor diríamos, exercitando seus dedinhos, pois seu Espírito já era profundo conhecedor do teclado.
Estava certamente recordando os conhecimentos adquiridos em vidas pregressas; adivinhava tudo, ia de um tom a outro sem a menor hesitação. Ouvido perfeito, miraculoso; mãozinhas ágeis, dedos lépidos, que pareciam já exercitados nas dificuldades do mecanismo. Sua memória era surpreendente, tanto que seu pai propositadamente tocava muitas vezes durante quase uma hora seguida, e ele, sentando-se prontamente ao piano, repetia tudo o que acabava de ouvir, com as naturais deficiências oriundas da pequenez de suas mãos.
Desde garotinho era muito dado às exaltações místicas. Várias vezes seus pais o surpreenderam, durante a noite, ajoelhado, orando, com os olhos marejados de lágrimas. Era a saudade, esta saudade de vidas já vividas, em cujos momentos seus ouvidos espirituais se deleitavam com a música celestial. Era a mediunidade que nele já se mostrava soberba, pujante!
Em virtude da sua genialidade, tanto que já tocava com a técnica e a emoção de um “virtuose” adulto, embora beirasse os dez anos de idade, seu pai achou aconselhável levá-lo a Viena, onde poderia receber lições de mestres experimentados. Em lá chegando, ambos foram, sem perda de tempo, ao estúdio de Czerny, que se recusou a aceitar o menino como discípulo, sob a alegação de já haver número excessivo se alunos inscritos em seus cursos de piano. Enquanto, porém, o pai de Franz, decepcionado e entristecido, ouvia essas palavras, o garoto, sorrateiramente, acercou-se do piano e começou a tocar o mais difícil dos estudos de Czerny. O grande mestre ficou estarrecido, perplexo, e, ao termino da execução, disse:
-Pasmoso! Depois de Schubert jamais vi talento assim!
Incontinenti o tomou como discípulo muito querido. Após haver-lhe ministrado algumas lições, Czerny confessou que nada mais podia ensinar-lhe.
Liszt, certa feita, recebera uma carta de criatura muito amiga, em que dava notícia da perda de uma filha estremecida, ao mesmo tempo que lhe pedia a consolasse nesse doloroso transe. Liszt, entre outras coisas, escreveu: “... Procure ouvir as palavras de sua filha, que do Céu a bendiz e consola”.
Mais um traço, sem dúvida, de seu espiritualismo um tanto divorciado do dogmatismo da época. É que ele, missionário no campo da arte musical, médium de muita vivacidade, sentia as realidades espíritas sem os filtros do dogmatismo.
Liszt foi realmente um grande médium, porque médium não é apenas aquele que recebe mensagens psicofônicas ou psicográficas, é também aquele cujo Espírito, em estado de êxtase, consegue afastar-se de seu corpo somático para mergulhar nesse mundo inimaginado de harmonias siderais, harmonias essas impossíveis de serem reproduzidas em toda a sua beleza eletrizante, através das sete notas da nossa gama musical.
Schumann, referindo-se a Franz Liszt, disse:
“Imagine-se uma criatura magra, de ombros estreitos, longos cabelos a lhe caírem até o pescoço, emoldurando-lhe um rosto interessante; olhar que traduz todas as expressões, cintilante na conversação ou cheio de bondade; um modo de falar áspero, acentuado, e teremos Liszt fora do piano. Diante do teclado, passa as mãos pelos cabelos, e, depois, o olhar se acalma, o busto se imobiliza, e apenas a cabeça e a expressão do rosto lhe revelam os sentimentos. Ninguém pode imaginar semelhante modo de tocar, é preciso ouvi-lo”.
É que seu Espírito, diante do teclado, se desprendia, buscando assim maior liberdade, a fim de transmitir ao seu próprio corpo toda a vibração da sua alma, o que seria impossível estivesse ela cerceada pelos imperativos da matéria.
O poeta Saphir, e todo poeta é músico da palavra, escreveu:
“Liszt despreza regras, formas e estilos: cria-os. Nele, o extravagante é genial, o estranho necessário, o sublime e o irregular se misturam, o mais elevado e o mais pueril se fundem com o poder grandioso da mais suave intimidade. È uma aparição inexplicável... Após o concerto, é tão grande como um general vitorioso num campo de batalha. O piano, vencido, parece pequenino. As cordas, derrotadas, esvoaçam como troféus; os instrumentos, despedaçados, jazem a um canto, e os ouvintes se entreolham, mudos de surpresa, como ante uma tempestade com céu límpido. Ele, o Prometeu que de cada nota forjou um ser vivo, com a cabeça inclinada, sorri estranhamente para a multidão que o aclama”.
É que talvez ele próprio, ao retornar ao corpo, fosse quem mais se mostrasse surpreso pela técnica e expressão que dera às músicas programadas!
Contam os seus biógrafos que Liszt, ao bisar uma peça, executava-a de modo tão diverso, com um sentimento tão diferente, sem que o público de amadores experimentados percebesse essa diferença de interpretação.
Quem se dispuser a sentir, em espírito e verdade, a música de Liszt, que é realmente uma fala de alma para alma, há de sentir-se pairando em encantadoras mansões de luz e deslizando ao impulso suavíssimo de delicadas melodias, perfeitos convites à prece, à paz e ao amor!

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