Nenhum pai deveria enterrar seus filhos. Atenta contra a ordem natural. Viola tudo o que é sagrado no reino humano (sucessão) e também tudo o que cremos como Divino.
Mas acontece.
Acontece muito frequentemente na natureza (a natureza “selvagem” é realmente implacável com os filhotes) e também no sentido religioso.
Aconteceu com Maria, quando teve de enterrar seu filho Jesus.
Imagino que o mundo dela tenha caído, e que a dor de ver um filho ser açoitado, torturado e humilhado a tenha acompanhado por um tempo. Imagino que ela deva ter ficado revoltada com Deus, especialmente porque seu filho se dizia Um com Deus.
Se formos crer na parte fantástica da Bíblia, ele voltou em Corpo glorioso e garantiu pra todo mundo que tava tudo bem. Maria deve ter ficado mais consolada, e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Não sei no que acreditar em relação a isso. Seria Jesus um ET? Voltou em espírito, como uma materialização? Alucinação coletiva ou uma mera alegoria literária para o estabelecimento da crença num lugar melhor após a morte?
Pouco importa pra quem passa pela dor de perder um ente querido. Tudo fica mais escuro, mais turvo, e a idéia de Deus se torna ainda mais distante e caricata do que aprendemos superficialmente na escola ou na Igreja. O primeiro pensamento geralmente fica entre “o que fiz a Deus pra merecer isso” ou “por que Deus foi tão injusto com (nome da pessoa que morreu)?”.
Então, se formos pegar a essência da historia de Jesus vamos ver que Deus não facilitou a vida de seu filho favorito aqui na Terra. Perdeu o pai logo cedo, não teve uma mãe compreensiva, trabalhou duro na carpintaria até os irmãos crescerem, correu diversas vezes pra não levar pedrada nas discussões que tinha com os fanáticos religiosos e governantes, e o resto é como o Mel Gibson retratou tão bem no seu filme.
E não foi só ele: todo o início do cristianismo é marcado por sacrifícios, martírios, obstinação e resignação. Temos a tendência a esquecer isso quando estamos na situação confortável de hoje (a menos que você seja cristão no oriente médio).
Deus não é aquele barbudo num trono que muitos ainda insistem em dizer que é. O Senhor dos Exércitos, que vai na frente abrindo seus caminhos enquanto você desfila na passarela. Não é aquele cara que fica nos olhando e vai nos jogar um raio na nossa cabeça se nos pegar pecando ou se masturbando e vai reestabelecer a justiça no lar e no mundo porque ele representa a Verdade, a Justiça e o american way of life.
Não. Se formos olhar o mundo, o que mais vamos ver são injustiças. A fome na África, as guerras no Oriente Médio (e África, pqp, até quando?!), os ricos ficando mais ricos e os países miseráveis continuando a ser explorados. Mas já foi pior. Bem pior.
Se Deus é a maior força do Universo, é onipresente e onisciente, criador de tudo e presente no coração de cada ser criado ele imediatamente não pode ser limitado a uma denominação religiosa. Deus não toma lados, porque se ele fosse uma força do bem, teríamos de admitir que existiria uma força no mínimo equivalente para fazer o mal. Então se o mal é a ausência de Deus no coração do homem, então se um Deus personalizado PENSASSE por 1 segundo em acabar com o mal, ele acabaria.
Então podemos intuir que Deus não se manifesta através de mágicas baratas pra dizer aos homens “Ei, eu sou seu Criador!”. Deus se manifesta através de nós! Nós canalizamos sua energia e a aplicamos quando sorrimos, quando somos gentis, quando damos esperança, no amor, na fortaleza… E no olhar de amor de uma mãe, um pai, um(a) esposo(a), um(a) filho(a).
Imagino que uma parte de Deus desapareça quando essa pessoa se vai. Quando esse fruto precioso, essa parte de sua vida é arrebatada de nossa vista. Digo da vista pois acredito que nada realmente desaparece. Tudo na ciência se transforma, tudo é aproveitado. Somos poeiras das estrelas, desenvolvemos nossas consciências a partir dos sistemas nervosos dos primeiros animais e o que nos tornamos depois da morte ainda não sabemos. Ou pelo menos ainda não cientificamente.
Mas aquela parte de Deus ainda esta lá. Apenas nós não mais a vemos. Transformou-se. Ficamos como uma lagarta, que acorda um dia e vê um casulo vazio da colega e não sabe que ela virou uma borboleta e voou pra longe.
Mas há quem consiga senti-la, acessá-la. Há limites para os nossos sentidos físicos: nossos olhos são facilmente enganados, nossa audição é ridícula em comparação a outros animais, mas não há limites para a nossa mente. Nosso cérebro é uma das mais belas peças da natureza e seu completo funcionamento ainda continua um mistério.
O problema é que, enquanto estamos lidando com a perda pensamos que ainda podemos acessar a lagarta, aquela mesma coisa de outrora, quando não só a forma, mas os interesses e comunicação da borboleta são outros.
Pensar que tudo acabou só vai reforçar a programação mental de finitude, de encerramento. Pensar que as coisas mudaram (e ninguém pode medir ou subestimar a dor dessa mudança) pode deixar as portas abertas para continuar a ver Deus, AQUELA PARTE DE DEUS, de uma nova maneira.
O amor não conhece fronteiras ou limites.
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