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terça-feira, 19 de novembro de 2024

Magnetismo e Espiritismo I - Dois ramos de uma mesma ciência


 "...o Magnetismo e o Espiritismo se dão a mão; são duas partes de um mesmo todo, dois ramos de uma mesma ciência que se completam e se explicam uma pela outra. Dar crédito ao Magnetismo é abrir caminho para o Espiritismo, e reciprocamente." Allan Kardec1

 

Após termos publicado uma série de artigos sobre Mediunidade e outra sobre as Reuniões Espíritas no Lar, faremos algumas publicações sobre o Magnetismo, conforme nos orientou nosso mestre Allan Kardec. Vamos tomar por base os ensinos dados nas obras do próprio mestre, a fim de não deixar dúvidas quanto à fonte de onde eles promanam. Eis o que ele escreveu na sua Revue Spirite:

   "O magnetismo preparou as vias do Espiritismo, e os rápidos progressos desta última doutrina são incontestavelmente devidos à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas, há apenas um passo; sua conexão é tal que, por assim dizer, é impossível falar de um sem falar do outro. Se tivéssemos que ficar fora da ciência magnética, nosso quadro ficaria incompleto e poderíamos ser comparados a um professor de física que se abstivesse de falar da luz. Todavia, como o magnetismo já possui entre nós órgãos especiais justamente acreditados, seria supérfluo encarregar-nos de um assunto tratado com a superioridade do talento e da experiência;2 dele não falaremos, pois, senão acessoriamente, mas de maneira suficiente para mostrar as relações íntimas das duas ciências que, em realidade, não são senão uma.

   "Devíamos aos nossos leitores esta profissão de fé, que terminamos com uma justa homenagem aos homens de convicção que, enfrentando o ridículo, o sarcasmo e os dissabores, corajosamente se devotaram à defesa de uma causa toda humanitária.

   "Seja qual for a opinião pessoal dos contemporâneos, opinião que é sempre mais ou menos o reflexo das paixões vivazes, a posteridade lhes fará justiça; ela colocará os nomes do Barão Du Potet, diretor do Journal du Magnétisme, do Sr. Millet, diretor da Union Magnétique, ao lado de seus ilustres antecessores, o Marquês de Puységur e o sábio Deleuze. Graças aos seus esforços perseverantes, o magnetismo, popularizado, fincou pé na ciência oficial, onde já se fala dele aos cochichos.3 Essa palavra passou à linguagem usual; já não afugenta mais, e quando alguém se diz magnetizador, já não riem mais na sua cara."4

 

Ciências solidárias

 

   "O Espiritismo se liga ao magnetismo por laços íntimos (essas duas ciências são solidárias uma da outra); e no entanto, quem poderia acreditar que o Espiritismo encontra adversários encarniçados mesmo entre certos magnetizadores que, nem por isso, contam com a oposição dos espíritas. Os Espíritas sempre preconizaram o magnetismo, seja como curativo, seja como causa primeira de uma porção de coisas; defendem a sua causa e vêm prestar-lhe apoio contra os seus inimigos. Os fenômenos espíritas têm aberto os olhos de muita gente, às quais ligam, ao mesmo tempo, ao magnetismo. Não é estranho ver os magnetizadores esquecerem tão depressa os preconceitos de que foram vítimas; negarem a existência de seus defensores e lançarem contra eles os dardos que outrora eram lançados sobre si próprios? Isto não é nobre nem digno de homens a quem a Natureza, desvendando os seus mais sublimes mistérios, mais que aos outros tira o direito de pronunciarem o famoso nec plus ultra."5

 

Duas ciências gêmeas 

 

   "O Magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e se explicam uma pela outra, e aquela das duas que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; elas são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo como meio de introdução junto aos espíritas.

   "Em todos os tempos os magnetistas estiveram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, fazendo mais ou menos abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, atribuem tudo à ação do fluido material; eles estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias eles se fizeram seus defensores e baluartes."6

 

Uma potência natural

 

   "...O magnetismo é uma potência natural, e ante as forças naturais o homem é um pigmeu, semelhante a esses cachorrinhos que latem inutilmente contra o que lhes apavora."7

 

   Allan Kardec afirma que há uma estreita ligação entre a ciência do Magnetismo e o Espiritismo, como a que há entre a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. Se assim é, quem quiser compreender o que significa essa ligação e o papel que cabe ao Magnetismo e ao Espiritismo, que constituem uma mesma ciência, deverá estudá-las  seriamente.

   Um ponto importante a observar é que pode haver magnetistas materialistas, ou seja, que negam a existência e a ação dos Espíritos, como é o caso de certos fluidistas, como citado logo acima; no entanto, o espírita jamais poderia deixar de ser espiritualista sem deixar de ser espírita.

   Outro ponto importante a se notar é que, ao referir-se ao Magnetismo como ciência, Allan Kardec não fala somente do magnetismo animal, ou humano, que é apenas um de seus aspectos, mas da ciência magnética como um todo. Essa ciência abrange um campo bem mais vasto, contemplando as simpatias e antipatias terrenas, a mediunidade, as relações dos homens entre si, a dos Espíritos entre eles mesmos e entre eles e os homens, que também são Espíritos. O Magnetismo tem a ver com certas doenças e com certas curas, com a prece, com o sonambulismo, com a possessão, etc. O que é hoje conhecido pelo termo hipnotismo foi o novo nome dado ao magnetismo pelo barão Étienne Félix d'Henin de Cuviller, em 1819, popularizado pelo médico escocês Dr. James Braid, com a publicação do seu livro Neurypnologie, Traité du sommeil nerveux ou hypnotisme, considéré dans ses relations avec le magnétisme animal, publicado em 1843.8

   Vamos reproduzir a seguir alguns textos que deixam claro o que Allan Kardec quis dizer quando afirmou que o Magnetismo e o Espiritismo são dois ramos de uma mesma ciência que se completam e se explicam uma pela outra.

 

Simpatia e antipatia entre os seres pensantes

 

   "Entre os seres pensantes há ligações que ainda não conheceis. O magnetismo é o piloto desta ciência, que mais tarde compreendereis melhor."9

 

O magnetismo na mediunidade, na cura de obsessões, no sonambulismo

 

   "O que é, efetivamente, o Espiritismo, ou melhor, o que é a mediunidade, essa faculdade até aqui incompreendida, cuja extensão considerável estabeleceu sobre bases incontestáveis os princípios fundamentais da nova revelação? É pura e simplesmente uma variedade da ação magnética exercida por um ou vários magnetizadores desencarnados, sobre um paciente humano, agindo no estado de vigília ou no estado extático, consciente ou inconscientemente.

   "Por outro lado, o que é o magnetismo? Uma variedade do Espiritismo, na qual Espíritos encarnados agem sobre outros Espíritos encarnados.

   "Existe, enfim, uma terceira variedade do magnetismo ou do Espiritismo, conforme se toma como ponto de partida a ação dos encarnados sobre os encarnados, ou a dos Espíritos relativamente livres sobre Espíritos aprisionados num corpo; esta terceira variedade, que tem por princípio a ação dos encarnados sobre os Espíritos, revela-se no tratamento e na moralização dos Espíritos obsessores.

   "O Espiritismo não é, pois, senão o magnetismo espiritual, e o magnetismo não é outra coisa senão o Espiritismo humano.

   "Com efeito, como procede o magnetizador que quer submeter à sua influência um sujeito sonambúlico? Ele envolve-o em seu fluido; ele o possui numa certa medida e, notai-o, sem jamais conseguir aniquilar seu livre-arbítrio, sem poder transformá-lo em coisa sua, um instrumento puramente passivo. Muitas vezes o magnetizado resiste à influência do magnetizador, e age num sentido quando este desejaria que a ação fosse diametralmente oposta. Embora, geralmente, o sonâmbulo esteja adormecido, e que o seu próprio Espírito aja enquanto o seu corpo fica mais ou menos inerte, também acontece, embora mais raramente, que o sensitivo simplesmente fascinado, iluminado, fique em vigília, embora com maior tensão de espírito e uma inusitada exaltação de suas faculdades.

   "E agora, como procede o Espírito que deseja comunicar-se? Envolve o médium com o seu fluido; possui-o em certa medida, sem jamais dele fazer uma coisa, um instrumento puramente passivo. Objetar-me-eis, talvez, que nos casos de obsessão, de possessão, o aniquilamento do livre-arbítrio parece ser completo. Haveria muito a dizer sobre esta questão, porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado, como foi possível constatar em muitas ocasiões. Mesmo no caso da obsessão, encontro uma confirmação, uma prova em apoio à minha teoria, lembrando que a obsessão se exerce também de encarnado a encarnado, e que temos visto magnetizadores aproveitando o domínio que exerciam, para levar seus sonâmbulos a cometerem ações censuráveis. Aqui, como sempre, a exceção confirma a regra.

   "Embora geralmente o sensitivo mediúnico esteja desperto, em certos casos, que se tornam cada vez mais frequentes, o sonambulismo espontâneo se declara no médium, e este fala por si mesmo, ou por sugestão, absolutamente como o sonâmbulo magnético se conduz nas mesmas circunstâncias.

   "Enfim, como procedeis relativamente aos Espíritos obsessores ou simplesmente inferiores que desejais moralizar? Agis sobre eles por atração fluídica; vós os magnetizais, as mais das vezes inconscientemente, para retê-los em vosso círculo de ação, e algumas vezes conscientemente, quando estabeleceis em torno deles uma toalha fluídica que eles não podem penetrar sem vossa permissão, e agis sobre eles pela força moral, que não é outra coisa senão uma ação magnética quintessenciada.

   "Como vos foi dito muitas vezes, não há lacunas na obra da Natureza, nem saltos bruscos, mas transições insensíveis que fazem com que passemos pouco a pouco de um para o outro estado, sem nos apercebermos da mudança, a não ser pela consciência de uma situação melhor. (...)

   "De tudo isto concluo que o magnetismo, desenvolvido pelo Espiritismo, é a chave mestra da saúde moral e material da Humanidade futura."10

 

O que é magnetismo animal

 

   "Magnetismo animal - do gr. magnes, ímã. Assim chamado por analogia como o magnetismo mineral. Demonstrou a experiência que não existe tal analogia ou que é apenas aparente. Assim, a denominação não é exata. Como, porém, foi consagrada pelo em­prego universal, e como, por outro lado, o epíteto que é adicionado não permite equívo­cos, haveria mais inconveniente do que utilidade em substituir a expressão. Algumas pes­soas a substituem por mesmerismo. Mas até agora a tentativa não prevaleceu.

   "O magnetismo animal pode assim ser definido: ação recíproca de dois seres vivos por meio de um agente especial chamado fluído magnético."11

   Vamos nos deter por ora quanto a esse primeiro artigo, pois ele já nos dá elementos para sérias e proveitosas reflexões.

 

__________

1 Revista Espírita, novembro de 1867 - O zuavo Jacob - Segundo artigo

2 No Catálogo Racional das obras que servem para fundar uma biblioteca espírita, o Sr. Allan Kardec recomenda algumas obras de autores reconhecidos, na seção Magnetismo.

3 Veja-se: Revista Espírita, janeiro de 1860 - O Magnetismo perante a Academia.

4 Revista Espírita, março de 1858 - Magnetismo e Espiritismo.

5 Revista Espírita outubro de 1858 - Emprego oficial do magnetismo animal

6 Revista Espírita, janeiro de 1869 - Estatística do Espiritismo

7 Revista Espírita, janeiro de 1858 - Introdução

8 Revista Espírita, janeiro de 1860 - O Magnetismo perante a Academia

9 O Livro dos Espíritos - Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos, cap. VII - Da volta do Espírito à vida corporal - Simpatias e antipatias terrenas, item 388

10 Revista Espírita, junho de 1867 - Dissertações espíritas - O Magnetismo e o Espiritismo comparados

11 Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas - Vocabulário Espírita - MAGNETISMO ANIMAL.

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