segunda-feira, 4 de julho de 2011

A razão da dor

Raquel, antiga servidora da residência de Cusa, ergueu a voz para indagar do Mestre por
que motivo a dor se convertia em aflição nos caminhos do mundo.
Não era o homem criação de Deus? Não dispõe a criatura do abençoado concurso dos
anjos? Não vela o Céu sobre os destinos da Humanidade?
Jesus fitou na interlocutora o olhar firme e considerou:
— A razão da dor humana procede da proteção divina. Os povos são famílias de Deus
que, à maneira de grandes rebanhos, são chamados ao Aprisco do Alto. A Terra é o caminho.
A luta que ensina e edifica é a marcha. O sofrimento é sempre o aguilhão que desperta as ovelhas
distraídas à margem da senda verdadeira.

Alguns instantes se escoaram mudos e o Mestre voltou a ponderar:
— O excesso de poder favorece o abuso, a demasia de conforto, não raro, traz o relaxamento,
e o pão que se amontoa, de sobra, costuma servir de pasto aos vermes que se alegram
no mofo...
Reparando, porém, que a assembléia de amigos lhe reclamava explicação mais ampla, elucidou
fraternalmente:
— Um anjo, por ordem do Eterno Pai, tomou à própria conta um homem comum, desde
o nascimento. Ensinou-lhe a alimentar-se, a mover os membros e os músculos, a sorrir, a repousar
e a asilar-se nos braços maternos. Sem afastar-se do protegido, dia e noite, deu-lhe as
primeiras lições da palavra e, em seguida, orientou-lhe os impulsos novos, favorecendo-lhe o
ensejo de aprender a raciocinar, a ler, a escrever e a contar. Afastava-o, hora a hora, de influências
perniciosas ou mortíferas de Espíritos infelizes que o arrebatariam, por certo para o sorvedouro
da morte. Soprando-lhe ao pensamento idéias iluminadas aos clarões do Infinito Bem,
através de mil modos de socorro imperceptível, garantiu-lhe a saúde e o equilíbrio do corpo.
Dava-lhe medicamentos invisíveis, por intermédio do ar e da água, da vestimenta e das plantas.
Vezes sem conta, salvou-o do erro, do crime e dos males sem remédio que atormentam os
pecadores. Ao amanhecer, o Pajem Celestial acorria, atento, preparando-lhe dia calmo e proveitoso,
defendendo-lhe a respiração, a alimentação e o pensamento, vigiando-lhe os passos,
com amor, para melhor preservar-lhe os dons; ao anoitecer, postava-se-lhe à cabeceira, amparando-
lhe o corpo contra o ataque de gênios infernais, aguardando-o, com maternal cuidado,
para as doces instruções espirituais nos momentos de sono. No transcurso da vida, guiou-lhe
os ideais, auxiliou-o a selecionar as emoções e a situar-se em trabalho digno e respeitável; clareou-
lhe o cérebro jovem, insuflou-lhe entusiasmo santo, rumo à vida superior, e estimulou-o a
formar um reino de santificação e serviço, progresso e aperfeiçoamento, num lar... O homem,
todavia, que nunca se lembrara de agradecer as bênçãos que o cercavam, fez-se orgulhoso e
cruel, diante dos interesses alheios. Ele, que retinha tamanhas graças do Céu, jamais se animou
a estendê-las na Terra e passou simplesmente a humilhar os outros com a glória de que fora
revestido por seu devotado e invisível benfeitor. Quando experimentou o primeiro desgosto,
que ele mesmo provocou menosprezando a lei do amor universal, que determina a fraternidade
e o respeito aos semelhantes, gesticulou, revoltado, contra o Céu, acusando o Supremo Senhor
de injusto e indiferente. Aflito, o anjo guardião procurava levantar-lhe o ideal de bondade,
quando um Anjo Maior se aproximou dele e ordenou que o primeiro dissabor do tutelado endurecido
por excesso de regalias se convertesse em aflição. Rolando, mentalmente, de aflição
em aflição, o homem começou a recolher os valores da paciência, da humildade, do amor e da
paz com todos, fazendo-se, então, precioso colaborador do Pai, na Criação.

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